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O Solo e a Erosão (Pinduca F68)

05/09/2015 - Por marcio joão scaléa
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O SOLO E A EROSÃO

 

OU

 

(vale mais o palpite de um vizinho do que todo o bom senso do mundo)

 

Um agricultor arava sua terra, cuidadosamente. Era daqueles à moda antiga, muito suor para fazer um plantio bem feito, como lhe ensinara seu pai, que aprendera com seu avô :  esperar as primeiras chuvas e arar profundo e rápido, para dar o "tombo" na terra, enterrando toda a palhada, todo o mato, toda a sementeira. Estivera trabalhando desde o amanhecer e lá pelas onze e meia, sol muito quente naquela terra roxa (seria na Mogiana, em Santa Helena de Goiás ou no Norte do Paraná?), dera uma parada para almoçar e agora, na sombra de um angico, ia dar uma descansada.

Mas mal esticara o corpo e lhe pareceu ouvir umas vozes, não sabia se era sonho. Prestou mais atenção e entendeu algumas palavras esparsas, depois frases completas. Era uma conversa entre o Solo e a Erosão, atrás do tronco do angico ! E dizia o Solo :

-" Como vai Erosão ? Estava sumida, por onde tem andado ?"

-"Vou vivendo, Solo. Tenho passado maus bocados.  Eu que sou um dos fatores de formação das terras agrícolas, intemperizando rochas, fui muito criticada, classificada como inimiga número 1 da agricultura, pior que a saúva, foi horrivel. Mas você parece bem, Solo. Bem conservado, boa matéria orgânica, muita vida, cheio até de minhocas, o que houve ? 

-" Pois é, Erosão. Eu estava mal, quase indo pro brejo, pulverizado em cima, compactado em baixo. Grade atrás de grade, goble, off-set, aiveca, escarificador, subsolador, cultivador, não tinha mais nada que não inventassem para me "melhorar". Mas eu só piorava, estava quase estéril, sem vida. Eu, que já havia produzido muito milho, cana, algodão, mal aguentava uma braquiaria ruinzinha. Aí apareceu um tal de Plantio Direto. "Lá vem mais bucha", pensei, mas não era verdade. Pararam de mexer em mim, me cobriram de palha, melhorei bastante, minha vida voltou :  minhocas, corós, etc. Recuperei minha estrutura, matéria orgânica, porosidade, fertilidade, capacidade de infiltração."

-" Agora entendo", disse a Erosão. "Só recebo ingratidão. Odeio palha. Quando era só curva de nivel ou terraço ainda me sobrava alguma esperança: um terraço mal marcado, um temporal caprichado e lá ia eu morro abaixo, uma beleza. Teve terra que deixei na rocha, de tão lavada! Mas agora com essa palha, pode chover à vontade que nem sujo mais um corguinho, que dirá estourar curva de nivel. Só não acabei porque tem uns como aquele ali dormindo na sombra do angico, sem falar nos pastos. Tenho sobrevivido nas pastagens degradadas. Lá não chego a carregar toneladas de terra morro abaixo, mas dá pro gasto."

-"Pois é, Erosão, mas até nos pastos estou melhorando. Já tem gente usando o Plantio Direto para plantar pastos novos, usando preparo essencial nas horas mais convenientes, fazendo consorciação com leguminosas, estou animado." 

-"Mas não se iluda, Solo. Estou achando que essa "moda" do Plantio Direto já passou. Tenho uma prima que até me chamou pra ir para uns Chapadões . Lá estão achando desculpa e mais desculpa pra mexer na terra de novo! Uns falam que é coró."

-"E tem gente que acredita que grade acaba com coró ?" intervem o Solo.

-"...e percevejo castanho."

-"Loucura. Grade a 15 cm acerta percevejo a 2 metros de fundura?"

-"...mas tem compactação de pneu."

-"Usa pneu balão, facão no adubo."

-"...mas tem o algodão, o que faz com a soqueira?. 

-"Roçada, herbicida, mudança na lei antiga."

-"...e doença de milho."

-"É só não fazer milho sobre milho que é burrice. Faz rotação de cultura, planta sorgo."

-"Não adianta, Solo. Tem gente incorporando até gesso, minha prima me falou. Eu vou pro Chapadão, vai ser moleza. E tem cada trator novo, cabinado, confortavel, dá até gosto gradear com eles, nem chega pó no operador!" 

E lá se foi a Erosão, apressada, fazer seu estrago nos Chapadões. Ela sabia que lá poderia ser catastrófica rapidamente, depois voltaria a seus tradicionais nichos : aqueles solos mais argilosos, dificeis de acabar, os pequenos produtores, arando morro abaixo seus terrenos declivosos, e pastos, muitos pastos prontinhos para se acabarem de erosão.

O agricultor, ainda sem saber se sonhava ou se ouvia vozes mesmo, sacudiu a cabeça, virou a aba do boné

e adormeceu pensando : "Bem que meu vizinho me avisou: preciso arrumar um trator com cabine, esse sol na cabeça tá me afrouxando os miolos, onde já se viu solo falar com erosão?"

Acordou logo depois no meio de um turbilhão de pó e vento, um redemoinho daqueles que escurecem o sol. Tossiu, montou no trator e lá se foi trabalhar , pensando : "Vem vindo chuva, preciso acabar logo com isso e ir erguer os terraços."

Não deu tempo. Choveu forte naquela noite mesmo. Só sobrou o angico. Mais uma vez a Erosão venceu.


Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro

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