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O Trem

13/03/2016 - Por marcio joão scaléa
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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O TREM

 

 

A idéia surgiu não se sabe como na sala do segundo ano científico do Colégio de Aplicação, mas logo tomou corpo e reuniu vários adeptos : passar uns dias na praia.

 

A primeira providência foi conseguir o local, e a oferta dos pais de dois dos participantes do grupo foi oportuna : uma casinha de praia em Nova Itanhaém, na Praia Grande. A segunda providência foi decidir quando ir, e o consenso foi viajar na semana anterior ao carnaval. A terceira providência foi arrecadar um dinheirinho para a compra de alguns mantimentos para as refeições, que seriam preparadas pelo próprio grupo. Como ir, foi a quarta providência, e o trem foi escolhido, pois partindo de São Paulo os deixaria a poucos metros da casa emprestada, na última estação antes de Itanhaém, fim da linha.

 

Tudo organizado, o Adolescente quase não conseguia conter a ansiedade. A autorização da mãe para viajar foi obtida a duras penas, com a interferência das mães de vários colegas, que por serem mais velhos, atenuaram o impacto da situação de viajar desacompanhado da família. Havia, na realidade, dois ou três companheiros que seriam os "responsáveis" pelo Adolescente, em especial o Zé Paulo, vizinho e colega de classe.

 

Dia da viagem, o grupo reuniu-se no saguão da Estação Julio Prestes, da Estrada de Ferro Sorocabana. O trajeto da Sorocabana para Santos não era o mais curto, dava a volta por Mairinque, mas para a pretensão dos rapazes era o mais conveniente, pois o mesmo trem passava por Santos e seguia para Itanhaém. Bilhetes comprados, passada a roleta, os funcionários indicavam os vagões : estes são para Santos, aqueles para Itanhaém. Escolhido o vagão, bagagem alojada, a viagem começou, com aquela absurda sensação de liberdade e o frio na espinha pela expectativa, que se acentuaram a partir do momento em que o trem abandonou a zona urbana de São Paulo e mergulhou na Serra do Mar. O vagão não estava muito cheio, era o grupo de rapazes mais algumas famílias, casais com filhos e filhas. Estas trocando olhares furtivos com um ou outro do grupo, aqueles tentando se juntar ao grupo, ignorando os laços familiares, mostrando independência. Brincadeiras, gozações, muita alegria e espontaneidade, onde o Zé Paulo, "tutor" do Adolescente, se sobressaia, com sua cara de pau e "gags" dignas de um comediante.

 

Descida a serra, o trem encostou numa estação no começo da Praia Grande, onde muita gente desembarcou, muita gente embarcou e muita gente apenas desceu do vagão para espairecer, entre estes o Zé Paulo. Longos apitos, o trem ia partir, correria para voltar ao vagão, todo mundo subiu. Todo mundo menos o Zé, que encostado a um poste dava adeus. Houve uma certa inquietação, mas todos acharam que ele correria para pular no último vagão. O trem ganhou velocidade e ele, impávido, dava adeus, agora com as duas mãos. A preocupação tomou conta do vagão, literalmente todos os passageiros correram para o lado onde ele estava, para ver se ele conseguia subir no último vagão. E ele, impavidamente encostado no poste, permaneceu a acenar com as mãos. De nada adiantaram os gritos :

 

- Corre, Zé. Depressa, o trem não vai voltar. Pula, Zé.

 

E ele não pulou. Mas deve ter escutado a gargalhada que o vagão em peso deu, ao entender que ele havia ficado para trás.

 

O grupo encontrou o Zé Paulo quase ao anoitecer, caminhando desolado e cabisbaixo pelos trilhos do trem, vindo de Itanhaém. Viera de carona e, pelas suas contas, era a terceira vez que refazia o trecho de quase quatro quilômetros, a procurar pela turma e disse :

 

- Achei que o trem estava só manobrando. Quando percebi, ele já tinha partido.

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