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Paraguai (Pinduca F68)

06/04/2016 - Por marcio joão scaléa
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 A oferta para liderar um projeto agrícola no Paraguai era irrecusável, conforme analise que o Administrador fizera.

 

Desde muitos anos, sempre que se defrontava com a necessidade de tomar a decisão de ficar no emprego em que estava ou optar por alguma oferta que lhe era feita, o Administrador analisava a situação de forma muito objetiva. Colocava lado a lado as ofertas e lhes atribuía pontos, conforme alguns parâmetros que lhe parecia serem essenciais : salário, realização profissional, possibilidade de carreira e ambiente de trabalho. A nova oportunidade ganhava longe em salário e em realização profissional. Como a sua preocupação principal não era fazer carreira e sim fazer um trabalho bem feito, e aparentemente os ambientes se equivaliam, sendo ambas fazendas, a decisão foi tomada.

Triste engano, o Administrador não levara em conta que a nova empresa era espanhola!

 

O Administrador, que administrava metade da maior fazenda de soja no mundo, fora contactado por um velho diretor da empresa, natural de Madri, que lhe expusera os planos, os projetos, os mapas da fazenda a gerenciar e as funções que dele eram esperadas : o plantio de soja, milho e outras lavouras anuais em uma fazenda a meio caminho entre Foz do Iguaçu e Assunção, que era o que o Administrador sabia fazer.

 

Decisão tomada, pedida a demissão, mudança, família alojada na nova cidade, a primeira surpresa : seu superior imediato seria um basco, que optara por comprar fazenda diferente daquela mostrada nas conversas iniciais. E nesta fazenda, para chegar a plantar soja havia a necessidade de derrubar a mata, serrar a madeira, destocar o terreno e só aí plantar. Ou seja, alguns anos se passariam até isto acontecer, e o Administrador, especialista em grãos, viu-se a montar uma serraria.

 

A segunda surpresa foi quando da visita do diretor presidente do grupo, Don José Maria Entrecanales. Que dera a desculpa de vir acompanhar o andamento dos trabalhos, mas na realidade queria mesmo era exercitar-se na prática da caça, tradição centenária de sua família, segundo ele. O que obrigou o Administrador e dois ajudantes paraguaios a construir gaiolas para prender cabritos e leitões, fazendo uma "ceva" para a onça, alvo preferencial do caçador. Que depois de passar duas noites em plena mata, sangue novo para os pernilongos que o deixaram em estado deplorável, descarregou a sua ira em um pobre tucano, inadvertidamente pousado numa galhada seca, alvo fácil para a calibre 12 do exasperado caçador, já que a onça não se dignara a aparecer. Quem seria o animal?

 

A serraria foi montada em menos de três meses, apesar de todas as dificuldades : ausência de estradas, acesso terrível, com pelo menos 30 quilometros de picada aberta na mata, sem falar na política vigente no Paraguai, que era proibir o trânsito nas estradas de terra a qualquer chuvinha que desse. Veio chuva, estrada fechada. E sem falar nas disputas internas, entre os grupos de trabalhadores arrebanhados : dois argentinos, odiados pelos seis paraguaios, por sua vez desprezados por três uruguaios, todos hostilizados e espezinhados por um espanhol, que já tinha longa história na companhia, pois já dera problema em várias partes do mundo, e haviam decidido mandá-lo para o fundo da floresta, para ver se ele parava de atrapalhar. E o Administrador a aparar as arestas e tentar trabalhar.

 

A terceira surpresa foi quando a ordem vinda de Espanha, proibiu o consumo do "tereré" durante o expediente da serraria. O povo paraguaio tem o hábito de tomar o tereré, semelhante ao chimarrão gaúcho, só que tomado frio ou mesmo gelado. Além do benefício do mate em si, que é diurético, digestivo e refrescante, o tereré pode ser acrescido das mais diversas plantas medicinais, visando problemas específicos de saúde, tendo também um forte componente social, pois é na hora do tereré que se conversa, se discute, se programam coisas e mesmo se brinca, com piadas e chacotas. A experiência do Administrador na região de Ponta Porã indicava que não havia como suprimir o hábito, e levara em conta essa noção ao contratar os mais de 30 funcionários que tinha trabalhando na serraria. Fora discutido com eles, que para compensar o tempo destinado ao tereré matinal e da tarde, o expediente seria acrescido de uma hora, e isto funcionou às mil maravilhas por vários meses. O rendimento operacional da serraria era bom e seguia crescendo, à medida que as rotinas se acertavam.

 

Até que por imposição do diretor basco, o tereré foi proibido pela alta direção da empresa. Mas essa proibição só foi aceita em aparência pelos trabalhadores, não se muda um hábito de um povo por decreto. Proibido o tereré formal, quando toda a serraria parava por meia hora, ele foi substituído pelo informal e escondido, o que era um desastre operacional. A serraria funciona como uma linha de montagem, e qualquer elo dessa linha que se ausente, provoca a paralisação de tudo. Quando os funcionários se revezavam nas idas ao banheiro, pois lá havia cuias de mate escondidas, fragmentava-se todo o processo produtivo. O rendimento em madeira serrada caiu 70%. Em questão de dias a situação era insustentável e o Administrador foi demitido, quase escorraçado, por tomar o partido de seus operários.

 

A quarta surpresa veio exatamente um ano e dezessete dias depois, quando da convenção anual da multinacional que passou a empregar o Administrador, agora promovido a Pesquisador. Ele recebeu das mãos do diretor Carlos Antonio Albert, exigente e temido, um diploma e um cheque, pois fora considerado o melhor elemento técnico da empresa naquele ano.

 

A experiência paraguaia havia mostrado ao Administrador, que sua carreira iria melhor se orientada para o lado cientifico : ele era muito mais pesquisador do que administrador. Havia mostrado também que o povo paraguaio era um povo extremamente trabalhador, educado e honesto, mas o mesmo não se podia dizer de seus patrícios espanhóis : povo pouco inteligente, mal educado e falso.

 

A propósito, alem da Inquisição e das touradas (arghhh!!), qual outra grande contribuição da cultura espanhola para a humanidade?


Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro

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