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A VILA, LADO PAR (Pinduca F68)
28/01/2016 - Por marcio joão scaléaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
A VILA, LADO PAR
As casas da vila com número par, graças ao declive do
terreno, tinham um porão a mais que as do lado impar, o que permitia que
famílias maiores ali vivessem com certo conforto. Foi nesse porão sob a
cozinha, que o pai do Menino instalou sua oficina de alfaiate, com a grande
mesa, os armários para os tecidos, as duas máquinas de costura Singer, uma dele
e a outra da mãe, para bordar.
Na casa
Na casa 4 moravam D.Iracy e Seo Milton, pais do Miltinho e
do Roberto (vulgo Cabeção), grande amigo do Menino, companheiro de futebol de
salão e de inesqueciveis corridas atrás de balões. Era uma família em ascenção,
vinham de mudança de uma grande favela próxima, o Chiqueirão, lá no fim da
Alameda Olga, perto da estrada de ferro, onde hoje é o memorial da América
Latina. Gente simples e muito boa, prestativa e amiga.
Na casa 6 morou muita gente. Digna de nota foi uma família
de chineses, cuja grande característica era deixarem patos mortos pendurados no
varal de roupas, para secar. Eram postos ao sol pela manhã e recolhidos à
noite. O mau cheiro ia longe, mas eles não se importavam e os devoravam depois.
Na casa 8 morava o Professor Astolfo (parece que da USP, da
botânica) e sua esposa, D. Biruta. É isso mesmo, D.Biruta! A festa de quinze
anos de sua filha Regina coincidiu com o sarampo e a catapora do Menino, que
apenas a apreciou de longe, pela janela fechada, por causa do vento, fatal para
vítimas do sarampo.
A família da casa 10, do Sr.Martins, era de negros, os
únicos da Vila. Ele, comerciante de jóias, de certa idade, muito simpático e
educado, assim como D.Lurdes, sua esposa. A mesma educação que conseguiram passar
para os dois filhos, o Zé e a Marinês, verdadeiro exemplo para muita gente na
Vila.
Na casa 12 moraram por muito tempo o Sr.Vicente e D.Ilda, de
família portuguesa. Ele, funcionário da secretaria de segurança, sempre às
voltas com imigrantes que vinham à sua casa em busca de ajuda na obtenção de
documentos brasileiros. Era uma das poucas casas da Vila a dispor de telefone,
verdadeiro luxo na época, motivo de muito incômodo para eles, pois acabava
sendo o único contacto para muita gente. Seu filho, apelidado Ponce (por
parecer um jogador de futebol com esse nome), ajudava o pai, pois não quisera
estudar. Mas sua paixão era o futebol, sampaulino roxo. Nas horas vagas
treinava os times da meninada das redondezas, como o Renner. Suplício era a
filha Marilda, da idade do Menino, estudante de piano, insistentemente
agredido, dia após dia, com poucos progressos.
A casa 14 era o solar dos Scaléa: no andar de cima, quarto
da frente para os pais, quarto de trás para as filhas. No nível da rua a sala,
banheiro, cozinha e área do tanque. Descendo uma escada, no porãozinho à
direita era o quarto dos meninos e no porãozão à esquerda, a oficina (ou seria
atelier?) do pai. No fundo do quintal o galinheiro, onde durante muito tempo
imperou a Brancona, incrível poedeira que atendia pelo nome. Hoje se fala muito
de agricultura natural, orgânica, etc. Seo Lázaro já sabia disso nos anos
quarenta, pois todo o lixo orgânico da casa, era jogado num buraco na terra do
quintal, sempre renovado e mudado de lugar : o lixo dos Scaléa não fedia, e as
verduras e frutas eram produzidas sem adubos químicos.
Na casa 16 morava D.Filomena, seu marido parece que era Seo
João, aposentado. Eram inúmeras filhas, todas trabalhando fora e alegrando a
Vila com suas risadas e roupas coloridas. Eram do interior, parece que de
Assis, gente boníssima, excelentes vizinhos.
Na casa 18 morava D.Santina, irmã de D.Filomena, viúva e
sozinha. Alugava parte da casa para a família de parentes, também do interior.
Gente muito humilde, que tinha um filho corintiano tão chato, que nem o Menino,
também corintiano, não o agüentava. Tinha também um sobrinho que perdera parte
da perna numa brincadeira no trilho de trem, usava uma perna mecânica, e até
jogava bola, às vezes.
Na casa 20 morava o Sr.Pinheiro e sua esposa, ambos
funcionários públicos graduados, pais da Cláudia, garota feinha e metida. Gente
muito discreta, não se misturavam com o resto do pessoal da Vila, não ficaram
lá por muito tempo.
E na casa 22, última do lado direito, morou no começo um
casal de velhos, ele conhecido como o Perna Torta, graças às suas pernas
Os primeiros a sair foram os Pinheiro, vizinhos da casa 20.
Que acabou ocupada por mais cearenses. Depois foi o Seo Vicente da casa 12,
vizinho do Menino, cuja casa foi comprada pelos cearenses. Foi o fim.
Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro