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Amazônia e desenvolvimento inteligente (Alma; F97)

19/10/2020 - Por fernando de mesquita sampaio
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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 Em meio à miríade de notícias e estatísticas sobre a pandemia com a qual somos diariamente bombardeados, me chamaram a atenção algumas que trouxeram à mesa o chamado "excesso de mortes". Trata-se das mortes que estão acontecendo acima da média histórica. Contabilizam não só as causadas pela pandemia, mas outras por exemplo derivadas da falta de leitos de UTI, apontando sobretudo a sobrecarga nos sistemas de saúde e sua precariedade nos estados. Paulo Lotufo, epidemiologista professor da USP, publicou no Twitter um mapa com dados do CONASS mostrando o excesso de mortes até 15 de agosto por estado. No Amazonas, há um aumento de 74%. São Paulo, onde o número de mortes absoluto é maior, mostra um excesso de morte de 15%. De forma geral, os números dos estados da região Amazônica, Maranhão e Mato Grosso incluídos são bem piores do que o do resto do Brasil.


Outra estatística, a da Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE mostrando insegurança alimentar (fome). A Região Norte se destaca, com média de 10,2% contra uma média nacional de 4,6%.


Outra notícia, outra estatística. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. A região Norte tem o pior desempenho de todas.


A Firjan produz regularmente um Índice de Desenvolvimento de Municípios para todo o Brasil. Os piores municípios invariavelmente encontram-se na Região Norte, incluindo o Maranhão.


Não importa por qual ângulo olharmos, a conclusão mais óbvia é que a Amazônia, lar para mais de 25 milhões de brasileiros, é possivelmente o pior lugar para se viver no Brasil.


E aí temos o nó górdio que nenhum Alexandre ainda conseguiu desfazer. A população que vive na região que abriga o maior estoque de carbono e biodiversidade do planeta não tira nenhum benefício disto.


Um estudo do IIS de 2018 calculou que os serviços ecossistêmicos gerados por 1 ha de terra na Amazônia valeriam R$ 3.500,00, e no Cerrado cerca de R$ 2.300,00 ao ano. Enquanto isso, em um ano, a pecuária geraria em valor cerca de R$ 60 a 100 apenas, e a soja de R$ 500 a R$ 1.000.


Seria, portanto, uma insanidade desmatar floresta para ocupar com agropecuária. Pois é, mas acontece que ninguém paga por serviços ecossistêmicos. Para quem precisa de renda, boi, lavoura, madeira e garimpo são os pássaros na mão. Pagamento por serviços ambientais é pássaro voando.


Isso explica em grande parte porque toda a agenda ambiental seja vista nas fronteiras agrícolas com um misto de sentimentos que vai do descrédito ao ódio declarado.


Por um lado, a famosa economia de baixo carbono é vista na prática como uma condenação à pobreza, infraestrutura ruim, sanções e penalidades.


Por outro, é verdade que o discurso do "querem impedir nosso desenvolvimento" também é alimentado por quadrilhas de pilantras de baixo e alto clero que lucram com todo tipo de ilegalidades nessas fronteiras.


Mas a título de exemplos: No Acre, por 20 anos os irmãos Viana, Marina Silva e outros tentaram emplacar o conceito de florestania, uma espécie de desenvolvimento inclusivo baseado na floresta em pé. Em 2018 o Acre deu a Jair Bolsonaro proporcionalmente a votação mais expressiva do Brasil, com 77% dos votos válidos. E mesmo na Reserva Extrativista Chico Mendes, símbolo da luta pela floresta, os bois começam a tomar o lugar da mata.


No Mato Grosso, cerca de 60% do PIB concentra-se em apenas 15 dos 141 municípios do estado, entre os quais, não por acaso, figuram os municípios onde a produção de soja é mais expressiva. Entre 2010 e 2017, o Valor Bruto da Produção Agropecuária no Estado foi de R$ 337,4 bilhões, segundo o IMEA.


No mesmo período o estado gerou 3,2 bilhões de toneladas de créditos de carbono, reconhecidos pela UNFCCC, pela redução do desmatamento e manutenção de estoques florestais. Disso tudo conseguiu monetizar apenas cerca de US$ 50 milhões através de um programa de pagamento por resultados financiado por governos doadores. Ou seja, Mato Grosso conseguiu protegendo florestas menos de 0,1% do valor que conseguiu vendendo commodities no mesmo período.


O modelo de desenvolvimento baseado em desmatamento / estradas / madeira / garimpo / agropecuária ineficiente que parece estar na cabeça de parte da sociedade e do governo é obviamente anacrônico, responsável em parte pelos péssimos indicadores da região e uma ameaça a um esforço maior de resposta a uma crise climática que pode não ter volta. Na pele, sofrem as comunidades que realmente dependem da floresta.


Por outro lado, é preciso oferecer alternativas viáveis de geração de emprego e renda em regiões que, faute de mieux, enxergam na bala e no boi o jeito de se virarem.


É possível alcançar um desenvolvimento de forma inteligente, através do uso eficiente da terra, investindo na desburocratização e regularização fundiária e ambiental, intensificando com tecnologia a produção em áreas abertas, investindo na diversificação e aproveitando oportunidades em cadeias subaproveitadas, criando uma economia florestal eficiente e viável. A Bioeconomia ainda é uma promessa que para se cumprir um dia, precisaria hoje de investimentos pesados em P&D. E como lembrou Ricardo Abramovay em artigo outro dia, o INPA, mais relevante centro de pesquisa na Amazonia tem orçamento anual de R$ 50 milhões. Como comparação, Stanford nos EUA tem orçamento de US$ 6,8 bilhões. Finalmente, para que as regiões com ativos florestais de fato abracem a ideia do desenvolvimento sustentável, precisamos conectar a economia do carbono na economia local, pondo em funcionamento mecanismos de pagamentos por serviços ambientais que possam remunerar de fato pela floresta em pé. E por incrível que pareça o governo federal vem dando passos positivos nesta direção.


Criar uma estratégia de longo prazo que possa criar um consenso (com diversos atores inclusive) sobre esta agenda do desenvolvimento inteligente parece ser factível. E temos um exemplo disso no próprio Mato Grosso com a Estratégia PCI. Mas para que funcione, é indispensável que seja associada a outra agenda, a da implacabilidade com o crime e a ilegalidade que ainda assolam as regiões da fronteira agrícola brasileira.


Fernando Sampaio (Alma F97), é Engenheiro Agrônomo e Ex Morador da República Lesma Lerda

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