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Aspectos Históricos da Agricultura Paulista - Viagem Rumo ao Desconhecido (Adilson Paschoal; F67)
19/03/2019 - Por adilson dias paschoalAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
ASPECTOS HISTÓRICOS DA
AGRICULTURA PAULISTA.
Parte 1. VIAGEM RUMO AO
DESCONHECIDO.
Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da
Esalq-USP
Ano
de 1530. A cana-de-açúcar é levada para a Colônia. Fidalgos pioneiros e o sonho
do enriquecimento rápido. Navegando em Incertezas. O “El Dorado”.
Era o dia 3 de
dezembro de 1530. Os sinos de todas as igrejas de Lisboa tocam,
simultaneamente, anunciando a partida de uma frota portuguesa em direção ao
Brasil. Alguns dias antes de alçar velas no Tejo, em vento favorável, duas
naus, um galeão e três caravelas já haviam recebido suas cargas usuais para
viagens de longa duração através do Atlântico, em direção à terra recém
descoberta por Cabral: centenas de tonéis de água, vinho, azeite e vinagre,
centenas de quintais de biscoito, toucinho, bacalhau, arroz e queijo, e muitas
fanegas de grão-de-bico e frutas secas. O comandante dessa frota, Martim Afonso
de Sousa, vinha a mando do rei D. João III, iniciar a colonização do
Brasil.
No dia 3 de dezembro de 1530, parte de Lisboa a frota portuguesa de
Martim Afonso de Sousa, levando para o Brasil os primeiros povoadores e as
primeiras mudas de cana-de-açúcar. Porto de Lisboa
no século XV.
Semanas antes da partida, viera do Funchal, na ilha da Madeira, a
mando do capitão-mor, um galeão em cujos porões se fez transportar muitas mudas
de cana-de-açúcar, sementes de várias plantas e os primeiros animais domésticos
a serem criados no Brasil. Nele também transportou-se todo o mecanismo
desmontado de dois engenhos de açúcar, os primeiros a serem instalados no país
do pau-de-tinta. Martim Afonso definira, estrategicamente, desenvolver a
colonização da nova terra através da agricultura, com base na cana-de-açúcar.
Nenhum outro lugar era mais adequado a tal propósito, isto é, de obtenção de
plantas e equipamentos para a produção de açúcar, do que a Madeira.
Agricultores, alguns escravos negros e técnicos açucareiros experientes como
moedores, caldeireiros e purgadores de açúcar, além de navegadores, padres,
artífices de vários ofícios e muitos milicianos armados, integravam a
tripulação, de mais de quatrocentas pessoas.
Nos camarotes da popa, reservados às pessoas mais influentes e
ricas, iam embarcados vinte e sete fidalgos, especialmente convidados por
Martim Afonso, com a aprovação do rei, para investirem suas fortunas na nova
colônia, recebendo da coroa portuguesa, através de carta de doação de
sesmarias, as terras que lhes fossem necessárias. Dentre esses fidalgos iam Antão Leme, tetraneto de Martin Lems, do condado de Flandres, Bélgica, e alguns de seus criados,
vindos do Funchal, levando, como a
todos a bordo, muita esperança de enriquecimento rápido. Entrementes, Antão
deixava no cais do porto esposa e o filho Pedro,
cujos acompanhamentos, no oceano tormentoso e pouco navegado, cheio de
terríveis monstros marinhos, e nas terras desconhecidas e hostis brasileiras,
eram de todo desaconselháveis. A escolha de Antão, entre os fidalgos que vinham com Martim Afonso,
justificava-se não só pela sua nobreza e parentesco com o donatário da Ilha,
mas pela experiência que tinha como administrador de engenhos e técnico
açucareiro.
Certa ocasião, na Corte Imperial, aos fidalgos que vinham com
Martim Afonso, foi exibido um mapa
do cartógrafo oficial do Reino, Lopo Homem, datado de 1519, intitulado "Terra brasilis",
impressionando-os a terra selvagem, porém promissora do Brasil, para a qual
viriam a convite do capitão-mór, em 1530. “Terra Brasilis”:
Atlas de Miller, Biblioteca Nacional de Paris.
Com idêntico propósito de implantar engenhos para o fabrico de
açúcar e aguardente vinham o fidalgo judeu genovês José (Giuseppe) Adorno e
quatro de seus irmãos, e o fidalgo português Pedro de Góis, depois donatário de
uma capitania. Do Porto, os fidalgos portugueses João Pires, por alcunha “O Gago”, e seu filho Salvador Pires somavam-se a eles. Ainda de Portugal, de Olivença, vinha o fidalgo João do Prado, e de Lamego, o nobre
fidalgo de geração e médico Antônio
Rodrigues de Alvarenga, todos solteiros e muito jovens, assim como o
capitão-mor, que não tinha mais do que trinta anos.
Os nobres vinham
atraídos não só pelas terras, que teriam em profusão no novo continente, mas
também pelas notícias, que corriam céleres em todo Portugal, das riquezas em
ouro e prata do Brasil. Na viagem, comentam do bugre que, a bordo da nau de
Cabral, em 1500, nos dizeres de Pero Vaz Caminha “pôs olho no collar do Capitãn, e começou a acenar com
a mão para a terra e depois pera o collar, como que nos dizia que avia em terra
ouro. E tambem viu um castiçal de prata, e assy mesmo acenava para a terra e
depois para o castiçal, como a dizer que avia na terra tambem prata.” Falam de Américo Vespúcio que, em 1503, dizia haver
tanto ouro que os selvagens nem sequer faziam caso dele:
...“o paiz não produz outro
metal senão ouro, do qual ha grandissima abundancia.” Falam, ainda, do oficial inglês Walter Raleigh, que
mencionava a cidade de Manôa, chamada “El Dorado” pelos
castelhanos, cujo rei toda manhã untava seu corpo de gomas perfumadas e mandava
que seus escravos, com tubos, lhe soprassem por cima densas nuvens de ouro em
pó, formando um manto dourado. À noite, lavava todo aquele pó riquíssimo,
lançando-o fora, para, no dia seguinte, começar tudo de novo. E onde ficava
esse fabuloso reino senão no Brasil, diziam eles, procurando ocultar as
dificuldades porque passavam a bordo.
A viagem transcorre com muitas adversidades. Poucos dias depois da
esquadra levantar âncora, sucedem calmarias, que duram mais de uma semana.
Seguem-se tempestades, com ventos fortíssimos, que escurecem o céu antecipando
a noite, fazendo as naus balançarem perigosamente de um lado e de outro,
iluminando o firmamento descargas elétricas apavoradoras, fazendo-os pensar que
haviam chegado ao fim do mundo, onde a Terra, que poderia afinal ser mesmo
plana, terminava em imenso abismo. Tenso, Antão
se recorda das histórias contadas por seu pai Antônio, célebre navegador, de que, em tormentas como estas, muitos
homens caiam ao mar e eram perdidos. Também, de serem frequentes que
tripulantes e passageiros fossem acometidos de febres agudas, sendo sangrados
várias vezes, enxaropados e purgados, recebendo alimentos frescos para a cura.
O escorbuto, desconhecido na época, era a pior peste a bordo, sendo responsável
pela maior parte das mortes. A absoluta falta de higiene espalhava doenças
entre os passageiros e tripulantes, que chegavam a vomitar ou defecar uns sobre
os outros. Ao mau odor dos excrementos fazia-se juntar o mau cheiro do cordame,
do couro e do piche. Alimentos frescos ou bem conservados eram a salvação, mas
só quem os podia levar salvava-se.
Ao se deparar com vários enfermos a bordo, em estado grave, Antão recorda-se do que lhe contara sua
mãe Catarina, da terrível epidemia
de peste negra que assolara a Europa entre 1346 e 1352, e de tantas outras de
cólera, responsáveis pela morte de milhões de pessoas no século XIV, e que
ainda vitimavam muita gente, quer em terra, quer a bordo de navios. Emocionada,
sua mãe falava-lhe da aterrorizante peste, em que os doentes apresentavam
dolorosos bubões, do tamanho de ovos, no pescoço, nas axilas ou nas virilhas,
por onde escorriam pus e sangue, além de manchas escuras de hemorragias internas,
que matavam em poucos dias. Era tão grande o medo do contágio, que até mesmo os
pais abandonavam seus filhos à sorte. Fugiam para o campo os magistrados e os
notários, recusando-se a fazer o testamento dos agonizantes; fugiam os padres,
em pânico, diante da perspectiva de ouvir as confissões dos moribundos; fugiam
também os médicos, e os poucos que ficavam receitavam poções a base de melaço
de dez anos, picadinho de serpente, pílulas de chifre triturado de veado,
mirra, açafrão, e para quem podia se dar ao luxo — ouro em pó, esmeraldas ou
pérolas trituradas.
— “Ira de Deus pelos pecados do homem!”, dizia, em lamento, a sua
mãe Catarina.
— “Interação desfavorável dos astros!”, contestava seu pai Antônio, com base em relato, de que
tinha conhecimento, dos mais importantes médicos da Universidade de Paris.
Nas costas de Pernambuco, após dois meses de viagem em alto mar, e
em outras partes, a frota de Martim Afonso enfrenta corsários franceses que
contrabandeavam pau-brasil. No litoral pernambucano, na Feitoria de Itamaracá,
já operava, desde 1516, um engenho de açucar, o primeiro do país.
Após dois meses de perigosa viagem em alto mar, a esquadra de
Martim Afonso enfrenta corsários franceses nas costas brasileiras. Era a
primeira de muitas outras batalhas que teriam pela frente, na terra que
escolheram para si. Gravura do belga Théodore de Bry,
no livro de viagens de Hans Staden.
Na baía de Todos os Santos, os colonizadores conhecem Diogo Álvares
Correia, o “Caramuru”, e sua mulher, a índia Paraguaçu. Ouvem, atentos, à
trágica história, narrada por Diogo, do naufrágio da caravela em que ia em
direção à Índia, dos seus companheiros que foram trucidados e devorados pelos
nativos, e da sua sobrevivência graças à astúcia e à arma de fogo e pólvora que
conseguira retirar dos escombros do navio soçobrado.
No local do futuro Rio de Janeiro, param por três meses, tempo em
que dois bergantins são construídos para a exploração das costas brasileiras.
Bergantim era uma embarcação similar à galeota, sendo de menores dimensões, com
uma coberta corrida, com oito a
dez bancos para os remadores, e que podia armar uma vela. Querendo
logo descobrir o fabuloso ouro do país lendário, o capitão manda quatro de seus
mais corajosos marujos pela terra adentro. Dois meses depois, alguns deles
retornam com notícias maravilhosas. Haviam caminhado cento e quinze léguas
sertão adentro (460 km, embora a distância
percorrida tivesse sido muito maior) e chegaram até os chãos do
Paraguai, onde índios amistosos contaram-lhes notícias febrentas de um país
longínquo, terra de incas, onde, à beira de uma lagoa, encontrariam “imensa prata e imenso ouro.” Era o
lendário “El Dorado”
Prosseguindo em sua narrativa, os bravos homens de Martim Afonso
contam que Aleixo Garcia, que lá ficara, havia organizado com eles uma bandeira
e, contando com os índios, chegara ao Peru, onde se ingurgitara de ouro e
prata, rapinados dos incas, retornando depois ao Paraguai, todos muito ricos. A
Aleixo, entretanto, o destino reservara uma tragédia: havia sido morto em uma
emboscada. Apesar disso, o destino fizera com que a notícia chegasse aos
ouvidos dos colonizadores: “No Rio do peraguay ha
muito ouro e prata”...
Na ilha de Cananéia, depois de passarem pela de São Vicente, os
colonizadores param por quarenta e quatro dias, e vêem partir ao interior uma
expedição de oitenta homens bem armados, entre besteiros e espingardeiros,
comandados por Pedro Lobo, sob a promessa de trazerem quatrocentos índios
carregados de muito ouro e prata, garantida por dois degradados portugueses:
Francisco de Chaves e outro, por alcunha “Bacharel”, que aí viviam com índios e
alguns espanhóis. Tratava-se da riqueza dos incas, cuja notícia havia passado
de aldeia em aldeia através do imenso sertão. Pedro Lopes de Sousa, irmão do
capitão-mor, deixou escrito esse episódio, com o português que se grafava
naqueles idos tempos: “Quinta fª xbij dias do mes
dagosto veo pedre añes piloto no bargantim e cõ elle veo fr.co de chaves e o
bacharel e cinquo ou seis castelhanos. este bacharel avia xxx años q estava
degradado nesta terra e o fr.co de chaves era muy grãde linguoa desta terra.
pella enformaçam q della deu aa capitam .J. mandou a p° lobo com oitenta homens
q fossem descobrir polla terra dentro porq ho dito fr.co de chaves se obrigava
q em dez meses tornara ao dito porto cõ quatro centos escravos carregados de
prata e ouro. Partiram desta ylha ao primeiro dia de setembro de mil e 1531 os
quarenta besteiros e os quarenta espingardeiros.”
Continua.
Referência.
Paschoal,
A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos
VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.