O presidente da Monsanto no Brasil aposta que as empresas de biotecnologia se dedicarão nos próximos anos a criar plantas menos sensíveis às variações do clima, fazendo com que o aquecimento global não impeça o aumento da produção de comida.
Nesta entrevista à Folha, Rodrigo Santos defende que o agronegócio tem de melhorar a sua comunicação: "O setor é muito desconhecido por quem está na Vila Madalena ou em Moema". Sem biotecnologia, não haverá como produzir mais alimentos sem aumentar a área plantada, diz.
Segundo ele, é natural que a Monsanto seja alvo tradicional de grupos como o MST. "Alguns movimentos se opõem ao agronegócio, à tecnologia no campo. E nós somos uma empresa que representa tudo isso", afirma.
| Zanone Fraissat/Folhapress | |
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Presidente da Monsanto do Brasil, Rodrigo Santos, em entrevista à Folha |
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FOLHA - Em uma entrevista recente à Folha, o presidente da Embrapa disse estar preocupado com a grande concentração no setor de biotecnologia.
Rodrigo Santos - A nossa percepção é que o movimento hoje é o contrário. Você tem vários produtos tanto de empresas privadas, como a DuPont, Syngenta, Bayer, quanto do setor público, como a Embrapa. No exterior, há também muitas universidades pesquisando. Além do milho e da soja, há muitas novas iniciativas. A berinjela na Índia, o mamão-papaia no Havaí. No Brasil, agora teremos eucalipto transgênico.
A imagem dos transgênicos tem melhorado? Até porque, querendo ou não, hoje quase 90% do milho e da soja plantados no Brasil são transgênicos... Quando você fala na rua que é presidente da Monsanto, sente mudança na reação?
Sim, houve evolução. Era natural que, no começo, houvesse certa incerteza ou insegurança de quem não conhecia tecnicamente ou cientificamente o tema. Explicar biotecnologia não é tão simples.
Por muito tempo, e até hoje, grupos radicais antitransgênicos tomaram a Monsanto como metonímia do setor de biotecnologia inteiro.
Esse foi o maior desafio. Talvez a gente não tivesse essa percepção. Os cientistas da Monsanto, quando começaram a trabalhar com transgênicos, pensaram "poxa, temos aqui algo bom". Mas não tivemos a percepção do desafio de comunicação que havia aí, e talvez não tenhamos ido muito bem nesse campo.
Mas o problema ainda existe, não? Eu até trouxe aqui uma fala do João Pedro Stedile [líder do MST], no ano passado. "A burguesia vai voltar a se assustar com nós quando voltarmos a fazer ocupação com 2.000 famílias. A burguesia vai se assustar quando nós ocuparmos a Monsanto, quando ocuparmos usina. Aí vão nos respeitar."
A gente se dedicou muito a entender isso. Acho que o problema é até anterior. Um dos desafios que temos no Brasil é que o agronegócio é muito desconhecido por quem está na Vila Madalena ou em Moema, nas cidades. No colegial, a gente sempre ouviu falar na agricultura na linha "ah, é uma atividade primária". Mas, em 20 anos, a evolução da agricultura no Brasil e no mundo é fantástica em tecnologia e inovação.
A lacuna de percepção, porém, ainda existe. Se atribui coisas como o desmatamento ao agronegócio. As pessoas sempre se surpreendem em saber que, no Brasil, 60% da cobertura vegetal nativa está preservada.
Alguns movimentos se opõem ao agronegócio, à tecnologia no campo. E nós somos uma empresa que representa e é muito associada a tudo isso -a Monsanto só trabalha com agricultura.
O agronegócio é uma área que representa 25% do PIB, mais de 35% dos empregos. A atividade poderia ter uma percepção muito melhor na sociedade em geral. A gente precisa de um trabalho de comunicação muito melhor.
O Roberto Rodrigues [ex-ministro da Agricultura] fala muito da necessidade de mostrar que a biotecnologia é importante para a segurança alimentar. Quer dizer, o sujeito da cidade muitas vezes não associa a comida que compra no supermercado ao agronegócio.
Sim. Eu e o Roberto Rodrigues fizemos Esalq, em Piracicaba. Eu faço 20 anos de formado em outubro. Ele é da turma de 1965. Todas as vezes que você reúne um grupo de pessoas do agronegócio, surge esta conclusão: o mundo tem o desafio de aumentar a produção de alimentos sem aumentar a área plantada significativamente. A resposta passa pela tecnologia.
Quando você pensa na sua época na Esalq, nos seus colegas de turma, de república Aliás, você morava em república? Como chamava?
"UTI". [Risos.]
Bom, comparando com o pessoal da turma ou da UTI, o destino dos formandos atuais será muito diferente?
Sim. Cada vez mais, o cara que quer trabalhar com agricultura, que vai estudar na Esalq, precisa saber que vai lidar com biotecnologia e com agricultura de precisão. Essa é a nossa plataforma futura: trazer o "big data" para a agricultura. Quando eu estava na Esalq, o que se fazia de agricultura de precisão era o mínimo. Agora há muitos alunos se dedicando a isso.
É meio impressionante. Todo mundo com quem a gente fala, em quase todos os setores, está fascinado com o impacto das ferramentas de análise de dados na produtividade.
Sim. Um agricultor, para plantar soja ou milho, toma de 40 a 50 decisões por ano. Em que dia ele vai plantar, qual fertilizante vai usar, qual fungicida. O grande ideal é contribuir para que essas decisões sejam baseadas em dados, em algoritmos, em análises estatísticas, aumentando muito a produtividade.
Antigamente, a gente dava recomendações muito gerais. "No cerrado você faz assim; no Sul, de tal forma." Com o tempo, fomos reduzindo: diretrizes para o oeste da Bahia, para o sudoeste goiano. Daqui um tempo vai ser assim: "Nestes cinco metros quadrados da fazenda, você planta esta variedade e põe tal adubação; naqueles outros cinco, mais férteis, você aumenta a densidade das plantas".
A gente tem descoberto produtividades elevadíssimas em determinados pedaços de solo. O desafio é levar tudo para o mesmo nível. Para isso, você precisa usar os dados. As decisões podem ser até automatizadas, com sensores. Compramos uma empresa de ciência da computação na Califórnia porque acreditamos que esse é o futuro. O "big data" vai transformar o mundo.
Além do "big data", se eu voltar aqui em 15 anos e perguntar "e aí, o que tem de novo", qual seria sua aposta?
Eu diria duas coisas. Acho que a importância da biotecnologia perante as mudanças climáticas vai ficar cada vez mais clara. Podemos desenvolver plantas com maior tolerância à seca, maior tolerância a variações de temperatura, germinação mesmo em condições não ideais.
A outra tendência é agregar valor para o consumidor final. O arroz dourado é um dos maiores exemplos [geneticamente modificado para ser enriquecido com vitamina A]. Isso vai ajudar até na aceitação da biotecnologia. No começo, o impacto era grande no produtor, mas não era tão percebido pela sociedade. Na Monsanto, temos mais de 400 pessoas no Brasil só dedicadas à pesquisa.
Eu queria falar também sobre a questão da rotulagem de alimentos transgênicos.
Para nós, faz todo sentido o consumidor ter informação. A gente tem muita segurança sobre os transgênicos, é completamente tranquilo.
Muita gente no agronegócio defende que faria mais sentido que os rótulos tratassem da ausência de transgênicos. Se alguém faz um produto livre de transgênicos, nada o impede propagandear como quiser.
É o mais fácil. Isso é muito discutido nos EUA. Em termos de custo para as empresas, é o caminho mais simples
Texto Originalmente publicado na Folha de São Paulo - Para acessar o artigo original clique aqui