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Breves linhas sobre a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) no Brasil

01/10/2025 - Por adriana margutti
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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Sou engenheira florestal, formada pela ESALQ, e atuo há 25 anos com desenvolvimento rural. Recentemente, tive a oportunidade de elaborar um trabalho sobre Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para a Coalizão Contra a Fome, ocasião em que pude interagir com profissionais de grande qualidade.
Nesse estudo, resgatei a trajetória da ATER pública no Brasil. Ao abordar os anos 1990 — marcados pela extinção da EMBRATER e pelo corte de recursos —, uma profissional da Coalizão perguntou se havia dados sobre a redução orçamentária. Respondi que provavelmente sim, embora não disponíveis no Painel do Orçamento Federal. A questão, porém, me levou a revisitar minha própria trajetória e a perceber que, na segunda metade dos anos 1990, eu já atuava como extensionista rural.
Entrei na ESALQ em fevereiro de 1996 e, já em julho daquele ano, participei de um estágio de vivência em Extensão Rural promovido por um grupo de extensão universitária da Escola. Tinha apenas um semestre de curso, pouco conhecimento das ideias e teorias que sustentavam a extensão rural, mas aceitei o desafio e iniciei minha primeira experiência de campo — ainda um “filhote” de extensionista.
Durante os seis anos e meio de graduação, acompanhei trabalhos de ATER em São Paulo, Piauí, Acre e Bahia. Minhas lembranças daquele período se confundem com anotações sobre a política pública vigente: projetos desenvolvidos majoritariamente com recursos de organizações não governamentais, muitas delas ligadas à Igreja Católica ou Protestante. Recordo-me, com nitidez, dos relatos de coordenadores de estágio sobre as dificuldades enfrentadas pelas comunidades para acessar recursos destinados a infraestruturas produtivas básicas, como uma casa de farinha ou um poço.

A fome era uma realidade constante no campo. Nas reuniões, a participação das mulheres não ocorria de forma espontânea — cabia às equipes técnicas criar estratégias para incentivá-la. O clientelismo prevalecia na aplicação dos recursos públicos. Um exemplo concreto da época: um amigo, recém-formado em Agronomia em 1996, assumiu a Secretaria de Agricultura de um pequeno município e organizou um rodízio do trator da prefeitura para atender as comunidades rurais. Tornou-se tão popular que os vereadores exigiram sua demissão.


Essa é a fotografia da ATER nos anos 1990 segundo minhas memórias. Quando comparo aquele cenário com a situação atual, tanto em termos de orçamento quanto de estruturas públicas e privadas voltadas à execução da ATER, além do aparato normativo, tenho convicção de que há muito a comemorar — ainda que persistam desafios.


Os avanços da política pública de ATER foram impulsionados pela sociedade civil: desde a ampliação da participação de mulheres e jovens até a adequação da política à diversidade de povos e territórios no Brasil. Tais conquistas foram registradas nas I e II Conferências Nacionais de ATER, incorporadas à Lei de ATER e traduzidas em sua execução.

Atualmente, a ATER encontra-se em um bom momento: conta com uma agência pública dedicada exclusivamente à sua implementação, a ANATER; dispõe de um espaço respeitado de participação e controle social, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável - CONDRAF; e vem recebendo aportes orçamentários mais robustos em comparação aos governos Temer e Bolsonaro — conforme pode ser observado no Gráfico 01 a seguir.

Gráfico 01: Recursos pagos por MDA e MAPA para a ATER de 2020 a 2025

Fonte: Painel do Orçamento Federal.

 

Desafios da ATER em 2025
Após tantos avanços, quais são os desafios atuais? Nos espaços de debate da política, destacam-se temas recorrentes como a insuficiência de orçamento, a criação de um Fundo Nacional de ATER e a construção de um Sistema Nacional de ATER.
Nos últimos dois anos, o aumento dos preços dos alimentos afetou significativamente o orçamento das famílias mais pobres, levando o Governo Federal a adotar medidas para enfrentar o problema. Contudo, a ATER não foi fortalecida como política estratégica nesse contexto. Segundo o Censo Agropecuário de 2017, a política pública alcança menos de 20% da agricultura familiar no país.
Diante disso, sigo refletindo: a universalização da ATER para a agricultura familiar brasileira é factível? Os diferentes estágios de inserção produtiva e econômica estão sendo devidamente considerados na prestação do serviço?
Mais do que ampliar os aportes orçamentários, é necessário qualificar a demanda por ATER no país, projetar horizontes de evolução social e econômica das famílias atendidas e explicitar a contribuição efetiva dessas ações para a produção de alimentos e para o fornecimento de serviços ambientais nos territórios. Somente assim a sociedade terá clareza dos resultados entregues pela política pública e apoiará seu fortalecimento institucional e financeiro.
Os desafios se renovam e precisam ser compreendidos para que possam ser superados.

 

Brasília, 30 de setembro de 2025.

 

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