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Caxumba (Pinduca F68)
06/12/2015 - Por marcio joão scaléaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

O destino do Agrônomo era sempre ter as coisas um pouco
atrasado. Tivera sarampo e catapora aos 16 anos, aos 20 ainda trocava dentes de
leite e aos 23 estava com caxumba. Sarampo e catapora o alijaram do campeonato
de futebol de salão da Gazeta Esportiva, que iria disputar pela equipe do
Guanabara
Era a safra de trigo no Sul do Paraná, frio terrível. O
trabalho de pulverização se arrastava, nos raros momentos em que parava de
ventar, principalmente
Num belo dia começou uma dorzinha na garganta, nada de
estranho para a época, o clima e a rotina de trabalho do Agrônomo : despertar
às cinco da matina, sair às cinco e meia com o piloto a tiracolo, recolher
técnico e equipe de bandeirinhas até as seis, para estar a postos e fazer os
vôos de pulverização assim que o dia clareasse, se não estivesse ventando
forte. Os trigais, a essa hora da manhã, eram um mar de orvalho gelado,
ensopando em poucos passos quem neles se aventurasse a caminhar. Mas a dorzinha
não evoluiu para a esperada gripe, aumentou e passou a doer também do outro
lado da garganta, que inchou. Como bom brasileiro, o Agrônomo procurou a
orientação do atendente da farmácia da estação rodoviária de Guarapuava, que
incontinenti deu-lhe o diagnóstico : caxumba. E a prescrição : repouso e seis
gotas de tintura de iodo após as refeições. Comprado o iodo, acertada a sua
ausência com a equipe e o principal cliente na cidade, uma cooperativa, o
Agrônomo retornou a Ponta Grossa para o tratamento, no pequeno apartamento
alugado pela empresa, preocupado com as amigdalas. Passada uma semana, as
amigdalas já não eram sua preocupação principal, que passara a ter foco um
pouco abaixo de sua linha de cintura, visto que a caxumba "descera". Febre,
inchaço e dores muito fortes motivaram a chamada de um médico, que olhou o
iodo, balançou a cabeça, e lhe aplicou uma injeção de antibiótico no braço, que
não parou de doer por exatamente vinte e seis horas. Mais uma semana de
repouso, e lá estava o Agrônomo pronto para retomar sua rotina de trabalho.
Mas o recesso e o isolamento de duas semanas teriam feito um
jumento refletir sobre sua condição. Seu repouso foi em um quartinho
absolutamente impessoal do apartamento, dormindo em um colchão estendido sobre
caixas de papelão no chão, tendo contacto com pessoas apenas três vezes ao dia
: cedinho, a equipe ao sair, que lhe deixava o café com leite e o pão com
manteiga; ao meio dia a senhora da lanchonete que lhe trazia um prato de
comida; e a equipe ao voltar, à noite, que lhe trazia outro prato. Ali o
Agrônomo teve, então, a oportunidade de refletir sobre sua condição humana.
Era feliz? O que seria ser feliz? De que era composta essa
condição tão valorizada, chamada felicidade? Por sua vontade não estaria ali,
trabalhando naquela situação. Estaria
Como a visão do Cristo Redentor iluminado pelo sol nascente,
entre a neblina, de dentro de um vôo internacional, mesmo estando esgotado pelo
vôo e pelas mais de 30 horas de aeroporto aguardando o embarque. Ou a visão da
lua nascendo no Chapadão dos Parecis, boca da noite, mesmo estando estourado
por ter instalado três experimentos com herbicidas naquele dia e ainda ter que
viajar mais de trezentos quilômetros numa sexta feira à noite para chegar em
casa e passar o fim de semana com a família. Ou o adormecer embalado pelo
balanço do trem do Pantanal, véspera de Natal, para ver o dia nascer no Porto
Esperança, mar de água doce, apesar do enxame de vorazes pernilongos.
Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro