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COVID - EXPERIÊNCIA DE UM INFECTADO (Sujo; F84)

27/04/2020 - Por manoel elpidio pereira de queiroz
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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Escrevo esse artigo para dividir minha experiência sobre o período em que fiquei contaminado pelo COVID-19. Espero que meus relatos possam ser de alguma forma úteis para alguns nesses tempos difíceis.


Moro em São Paulo, em um apartamento de 3 quartos com minha esposa, Rosana e dois filhos adultos, ambos estudantes universitários (Vitor e Henrique). Meu filho mais velho (Maneco), solteiro, mora sozinho em Belo Horizonte, mas cansado de ficar trabalhando sozinho em Home office, se transferiu para nossa casa na terça feira dia 07/04/20 e passou a dividir o quarto com o Henrique. Estávamos (e ainda estamos) todos em isolamento domiciliar desde sábado dia 14/03/20, respeitando as recomendações das autoridades sanitárias. 


Na segunda-feira dia 13/04/20, por volta das 18 hs comecei a sentir muito frio, tirei a temperatura e o termômetro acusou 37°c. Tomei uma novalgina e a febre passou. Não pensei em procurar médico ou hospital, seguindo as recomendações de que só devia faze-lo se tivesse sintomas mais claros, como dor de cabeça e/ou dor no peito além da febre, sintomas esses que eu não tinha. No entanto, meu filho Vitor é insuficiente renal e faz hemodiálise diariamente no Hospital Sirio-Libanês. Na terça feira dia 14/04, ele comentou com o médico plantonista da Hemodiálise sobre minha febre e esse, considerando que o Vitor faz parte de grupo de risco, solicitou que eu fosse ao hospital para ser testado. Além disso, orientou-o a manter-se longe de mim e dos demais moradores da casa, usando sempre máscara nas áreas comuns além de transferi-lo para fazer diálise em um quarto separado dos demais pacientes. 


Vitor me repassou a orientação do médico na mesma terça-feira, mas como eu estava me sentindo ótimo, não fui de imediato ao hospital. Ao fim da tarde, por volta do mesmo horário tive novamente febre baixa (37,4°c) resolvida com outra novalgina. Nem me passava pela cabeça que pudesse ser COVID, mas por via das dúvidas comecei a tomar algumas precauções, como usar máscara dentro de casa e sentar longe dos demais.


Na quarta-feira dia 15, acordei de manhã me sentindo ótimo, mas seguindo as orientações do médico do Vitor fui ao Hospital. Como o Maneco tinha tido dor de cabeça na véspera, levei-o comigo. Fomos ao Sirio-Libanês e entramos pelo pronto atendimento, que estava vazio. Na verdade, o Hospital montou um esquema especial de atendimento, após a triagem nos enviaram para uma consulta, o médico decidiria se seriamos testados ou não. Subimos ao 10° andar por um elevador exclusivo e fomos colocados em um quarto. O médico (parecia mais um astronauta) nos consultou a uma distância segura e apenas se aproximou para auscultar meu pulmão. Explicou que iria testar apenas a mim, que tinha sintomas a mais tempo porque quando o teste é feito logo no início é comum que ele seja mascarado, resultando em um falso negativo.


Ele também avisou que inclusive por isso, independentemente do teste, dado que tínhamos sintomas deveríamos, tanto nós como os demais moradores (orientações recebidas por escrito do hospital):



  • Realizar higiene das mãos frequentemente usando Álcool Gel - caso as mãos não estejam com sujeira evidente - ou com agua e sabão - caso haja sujeira evidente;
  • Manter distância de pelo menos 2 metros de pessoas sem os sintomas;
  • Utilizar máscara cirúrgica comum a maior parte do tempo. Se estiver sem máscara, cobrir a boca e o nariz com um lenço ao tossir ou espirrar. Limpar as mãos imediatamente após tossir ou espirrar;
  • Manter as janelas do ambiente e do domicílio abertas o maior tempo possível;
  • Manter o distanciamento por 14 dias após o início dos sintomas e buscar um serviço de saúde caso tenha: falta de ar, dores no peito, tontura, confusão mental, fraqueza, dificuldade para se hidratar febre, que não se controle com antitérmicos.



Em relação às máscaras:



  •  Devem cobrir nariz e boca;
  •  Evitar tocar a máscara quando estiver utilizando;
  •  Trocar a máscara assim que ela ficar úmida ou a cada 2 horas (se utiliza-la continuamente);
  •  Não reutilizar máscara descartável;
  •  Jogar a máscara no lixo imediatamente após sua remoção.


Um enfermeiro (outro astronauta) coletou secreção da minha garganta e do meu nariz. Voltando para casa, passamos todos a seguir as recomendações que nos haviam sido dadas. Maneco dormiu sozinho no quarto dele, Henrique dormiu na sala e eu dormi em um colchão no chão do meu escritório. Novamente febre leve no final do dia.


Na quinta-feira dia 16 acordei pela manhã, liguei o computador e acessei o site do hospital... positivo!!! Fiquei totalmente incrédulo. Desde o início de minha quarentena, além de sair para passear com o cachorro e andar uma ou duas vezes por semana de bicicleta na avenida Paulista (bem cedo com muito pouco movimento), fui duas vezes ao supermercado comprar cerveja e uma vez na farmácia, tomado todas as devidas precauções. De onde diabos eu peguei essa merda?


A partir desse momento passamos a ter um problema organizacional. Eu estava diagnosticado, o Maneco com sintomas, mas não diagnosticado, nós dois tínhamos que ficar isolados, mas não deveríamos ficar juntos. Além disso, mais alguém poderia estar infectado sem ainda ter demonstrado os sintomas. Deveríamos tomar todo cuidado para que o Vitor não ficasse exposto. Dessa forma, Vitor permaneceu no quarto dele, eu fui para o meu e o Maneco ficou no dele. Rosana e Henrique passaram a dormir na sala. Radicalizamos o isolamento. Fizemos uma solução de agua sanitária com agua (instruções podem ser facilmente conseguidas na Internet) e a colocamos em borrifadores. Rosana e Henrique desinfetaram meu escritório e passaram a nos levar refeições e tudo mais nos nossos respectivos quartos. Ao abrir a porta, tanto eles como nós usávamos máscaras e tudo que saia dos quartos era borrifado com a solução desinfetante. Como o Maneco ainda não estava diagnosticado, o uso do banheiro ainda era uma preocupação (ele estava usando o mesmo banheiro que os demais), mitigamos o problema borrifando todo o banheiro após o uso por parte dele.


O resultado do Maneco só saiu no sábado dia 18. Nessa data, me transferi para o quarto dele e passamos a usar nós dois o banheiro dos meninos. Rosana desinfetou a suíte e todos os demais passaram a usar o banheiro da suíte.


Hoje, dia 28/04, após cumprir os 14 dias de distanciamento radical voltei ao convívio da casa. Amanhã o Maneco retorna. Por sorte tanto eu quanto ele tivemos sintomas muito fracos, além da febre nos primeiros dias tive uma leve dor no peito no dia que saiu o diagnostico (16/04). Foi o único momento em que me preocupei um pouco, pois não sabia se o sintoma ia progredir ou não, mas no dia seguinte já estava sem dor e sem febre. Eu perdi um pouco do olfato, mas não totalmente, também não perdi o apetite, aliás ambos nos alimentamos muito bem durante o período. Maneco permaneceu com dor de cabeça por mais tempo, mas não teve febre. Quanto ao tratamento, a única recomendação foi tomar antitérmico (paracetamol ou dipirona) se tivesse dor ou febre. Por sorte, ou por competência sobretudo da Rosana, que foi uma verdadeira heroína, ninguém mais teve sintomas em casa. O Vitor teve uma pequena diarreia durante esse período e foi testado no hospital, mas o exame deu negativo.


Um ponto negativo que nos deixou muito aborrecidos veio da reação de um dos condôminos.

Comunicamos a síndica que tinha gente infectada em casa e ela colocou um aviso no elevador, identificando o número do apartamento. Uma moradora quis proibir as pessoas sadias do nosso apartamento de usarem o elevador social, bem como proibi-las de levar o cachorro para passear.  A síndica teve o bom senso de não concordar com tal disparate. 


Por fim, vale uma importante reflexão: como tive sintomas leves, se não fosse pelo fato do médico do Vitor ter me recomendado a fazer o teste, provavelmente não teria sido tão prudente no contato com as demais pessoas. Passados os sintomas, voltaria a comprar cerveja no supermercado e a sair, bem como me relacionar normalmente com as pessoas da casa. A guarda com certeza estaria mais baixa e eu provavelmente estaria transmitindo a doença para os demais. Portanto, caso tenham algum sintoma gripal, sigam rigorosamente as recomendações que me foram passadas pelo hospital e que reproduzi nos "bullet points" acima.


Em princípio não acho que seja necessário um isolamento tão radical quanto o nosso, a menos que vocês convivam com pessoas de grupos de risco.


Mas é fundamental saber que o vírus está entre nós, e que temos que respeitar as recomendações para não levar perigo para aqueles que amamos


Manoel Elpidio Pereira de Queiroz

Sujo (F84)



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