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Derrepentemente, 30. (Pikira, F87)
16/10/2017 - Por cesar figueiredo de mello barrosAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
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Lá pelo início dos anos 70, éramos crianças, Marcos Valle –o irmão do Paulo Sergio que foi genial em “Viola Enluarada” nos 60 e degenerou na ridícula “Estrelar” de 83- decretou que não confiássemos em ninguém com mais de 30 anos, ou mais de 30 saudosos cruzeiros, ou mais de 30 ternos, ou 30 vestidos. Que o professor não desse mais de 30 conselhos, que o diretor não tivesse mais de 30 minutos pra dirigir a sua vida.
Bella roba, diria minha nonna Evelina.
No inicio dos anos 80, éramos adolescentes, ou pouco mais que isso – fase que terminava aos 18, quando muito, ao invés dos oficiais 24, não raro 30, de hoje em dia – tudo estava por vir, as "Diretas Já" renovavam esperanças no país, todo mundo era a favor (menos o Bugiu, o General Newton Cruz e o Congresso Nacional), a maioria de nós saia de casa pela primeira vez, tivemos Tancredo e a Nova República em 85, o Cometa Halley, a Copa e o Plano Cruzado em 86 (cerveja que já custava 7.000 cruzeiros no Casa Rosada do Vardi e da Dedé, foi tabelada a Cz$5,60 no dia seguinte, 4,20 a tulipa de chopp; ia bem o plano até sumir a ultima Malt 90 quente e acabar com a festa); tivemos, depois, Constituinte em 88, Eleição pra Presidente em 89. Mas 87 foi mais tranquilo, um planozinho Bresser que não empolgava ninguém, o insólito acidente do Césio 137 em Goiás, Senna ganhou em Mônaco, mas Piquet que foi campeão, Guerrinha fez a cesta decisiva e ganhamos pela segunda vez, não primeira como apregoam os americanos no Pan de Indianápolis, morreu o poeta Drummond, tio avô do Angu, e pouco mais do que isso.
Memorável e diferente mesmo, só a carga enlatada que o Solana Star derramou no litoral norte.
Naquele final da década, éramos tão jovens, tudo moderno, ciclo encerrando (mesmo nós, solidários com a bixada, que optamos por fazer em 5 ou mais anos), a provinciana Piracicaba inaugurava shopping e edifícios altos, botando abaixo casarões e velhos comércios, tantos bares se foram, Décio, Cridão e Illinois, Flamboyant e Brasserie, Claudinho era só um garçom educado do Bar do Celso, que também acabou, como o Ortiz, Bar do João, do Isidoro, da mãe do Podepô, até o Mirante e a Croco, a Rua do Porto deixou de ser “nossa” e virou de costas para o rio, cerveja no Rucas nunca mais, jamais perdoarei o Zé Serra por expulsar a Adealq do Ginásio, cinemas se converteram aos pastores, de quebra derrubaram o CALQ (ah bixada fétrida), até o abastecimento republicano de segunda à noite (que por vezes degenerava em chopada ali no Jumbo-Eletro mesmo) acabou, a vida é assim mesmo, nada dura para sempre.
Pra nós o futuro começava logo ali na rotatória da Independência, aos pés da nossa aranha Metadiea e com a benção de São Judas e São Zilmar, tínhamos pressa de ganhar o mundo, uma safra a quintuplicar, o cerrado quase inteiro esperando calcareo e plantio direto, produtividades a serem multiplicadas, meio ambiente por inteiro suplicando conservação, agriculturas que se propunham alternativas (e, em muitos casos, se reduziram apenas a marketagem do orgânico); firmas para abrir, postos a ocupar, faturas e duplicatas para conferir, produtos pra colocar no mercado, mestrados e doutorados a concluir; proles a serem geradas, casamentos a fazer (e desfazer, e refazer), muitas contas pra pagar, providências mil, viagens para o mundo todo, sertões pra desbravar.
E, derrepentemente – em bom dialeto caipiracicabano- já temos 30 anos é de formado, 33 que conheço vocês, ganhei (e gastei, sem ser Judas) mais que 30 dinheiros, engordei mais de 30 quilos, mas só tenho 3 ternos (2 impraticáveis e 1 que ainda serve, mas não abotoa na barriga). Devia ter seguido os tais 30 conselhos, e o Diretor, nosso, o maior de todos os tempos não somente em altura, se não dirige nossas vidas, ao menos vai dando bom rumo pra nossa Escola.
E nós vamos dando bom rumo pro mundo, Bugre vai ser deputado, Mandi Secretário da Agricultura, Kadão vereador e Wick ministro, o país tem jeito e é conosco, ainda dá tempo.
Trinta anos é muito tempo, estamos ficando velhos, e eu, repetitivo, digo que parece que foi ontem, ainda somos os mesmos e vivemos, senão como nossos pais, como nós mesmos inventamos que devia ser, como se, juntos, o tempo não tivesse voado. Nossos ídolos ainda são os mesmos, mas muitos já se foram ou não compõem mais nada que preste.
As aparências, as aparências não enganam e estão grisalhas, calvas – menos as meninas, permanecem estranhamente com 29 anos, todas elas, mas o brilho no olhar é o mesmo, os sorrisos são os mesmos, o mundo gira mas a cada 5 anos passa no mesmo lugar, conto as mesmas piadas, confirmo as mesmas mentiras, conto as mesmas histórias, das mesmas repúblicas.
Como aquela do cara que viu o acidente automobilístico que levou a própria mãe e todos os amigos passaram a se revezar em acompanha-lo todo o tempo até que a dor fosse menos insuportável. Ou os ex-moradores que compraram um terreno e construíram uma casinha para a velha empregada da república.
Ou aquele colega nosso que, sem condições financeiras, ia abandonar o curso pelo meio e foi bancado pelo pai de outro também colega nosso, até se ajeitar com bolsa e na CEU.
E muitas, mais alegres, mais engraçadas, algumas tristes, que repetiremos a cada lustro até 2067, 2077, sei lá quando, todos nós, até o Juba e a Cotia, Sumô, Protão e Mundão, porque somos irmãos, mais que irmãos, que nos escolhemos, que vivemos alguns dos melhores anos de nossas vidas juntos, e vamos continuar e nada, nenhum desavento, vai acabar com isso.
Amém.
César Figueiredo de Mello Barros (Pikira F87) Engenheiro Agrônomo, Ex Morador da Republica Avarandado.