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Faquir Al Balat visitará Piracicaba (Jairo Abrahão; F63)
25/01/2019 - Por jairo teixeira mendes abrahãoAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Piracicaba, interior de São Paulo, nos idos de março de um dos anos trintas era uma cidade provinciana, muito provinciana! Provavelmente já era reacionária! Meu irmão Ibrahim Otavio costumava lembrar-se de amigo paulistano que dizia: “Interior é chão parado, marasmo!” Frase que podia ter o adendo: “numa modorra choramingas!” Frase muito do gosto do Prof. Osvaldo Pereira Godoy, meu tão querido amigo e colega na ESALQ Vadinho.
O fogo da cidade
explodiu com a manchete do Jornal de Piracicaba, então um bom jornal, daquela
quarta feira do mês de julho: “Faquir Al Balat deverá visitar Piracicaba!”
Balat era um espiritualista indiano famoso por previsões que fazia, dizia ele,
através da Energia proveniente de seus neurônios! Energia sempre foi mezinha
para mitigar a ignorância humana! Dizia-se até que descendia de Harrum Al
Rashid, aquele das “Mil e uma noites”!
Grupo de destacadas
Damas da Elite Piracicabana se alvoroçou e resolveu encontrar uma maneira digna
de recebê-lo e homenageá-lo! Reuniram-se na residência de uma delas. Para
aquecer os ânimos serviu-se licor Chartreuse. Alguém sugeriu: ”Por que não uma
conferência?” “Será que ele fala português?” Dona Branca Azevedo, sempre
sensata disse: “Minha amiga Eugênia ( Dona Eugênia da Silva, hoje nome de rua )
sabe de alguém que parece conhecê-lo, por que não falamos com ela?” Uma dama,
nariz empinado, tentou dissuadir o grupo: “Ela deve estar cuidando dos pobres!
”Olhares de reprovação a fuzilaram! “Vamos procurá-la, decidiu a dona da casa.”
Algum tempo depois chegaram. Dona Eugênia estava muito atarefada separando um
monte de agasalhos usados que arrecadara para pobres.Aquele inverno prometia!
Convidou o grupo a entrar. Exposta a situação a benemérita senhora falou: “Ele
talvez não aprove o fato de eu revelar nossos diálogos, mas como me parece uma
boa causa vou contar. Trata-se de meu querido amigo Otavio ( Otavio Teixeira
Mendes ) da Escola Agrícola” Escola Agrícola era como se chamava a ESALQ de
hoje. A de nariz empinado diz: “Ah! Otavio Mendes, todas o conhecemos!” Mais
uma fuziladas de olhos a calou! O grupo dirigiu-se ao ponto do bonde atrás da
Matriz de Santo Antonio.
Uma vez no Campus dirigiram-se ao Pavilhão de Engenharia e à sala de Otavio. As ilustres senhoras sentaram-se diante do brilhante Professor, Catedrático de Mecânica e Máquinas Agrícolas. Sentado à mesa, ampla, ocupada em sua maior parte por seu grande gato Zagloba, quase tão feio quanto ele! Cruzando a perna esquerda sobre a direita, retirou do bolso da camisa, de linho branco, um maço, aberto, de cigarros Castelões, com muita habilidade bateu, de leve, o maço sobre o indicador esquerdo, de modo que as pontas de alguns sobressaíssem. Ofereceu, então, às convivas que obviamente recusaram. Note que à época isso era elegância! Graças aos nossos vizinhos do norte e a terrível propaganda exercida pelo cinema! Também fui vítima dela! Otavio ouviu a querela e ponderou: “Senhoras, já que meu segredo foi vazado, não posso negá-lo. Sou amigo do Faquir Al Balat. Trocamos correspondência há muito tempo! “Será que ele pode fazer uma conferência?”Dona Damaris, esposa de conceituado esculápio local, a de nariz empinado ( não confundir com a da goiabeira!), tinha uma “queda” por Otavio! “Não! Nem pensar! Além do problema da língua ele não suporta conferências! Mas, certamente poderia fazer quiromancia! Segurar, suavemente, mãos femininas é do seu agrado. Pensem no seguinte, dia primeiro de agosto, aniversário da cidade haverá quermesse na praça da Matriz. Seria uma grande atração, pode render bom dinheiro para as obras da Catedral!” “Será que pode render mais do que a víspora de Dona Branca?”Alguém resmungou. “Há um problema: ele não é jovem. E estaremos em pleno inverno. Ele só pode atender seis vít ..., pessoas! Dez minutos cada uma! Mais de uma hora ...! “Então vai render pouco! Arriscou Dona Damaris, toda regateira!” “Não se cobrarmos um bom preço. Será que damas tão ilustres não encontram seis amigas como esposas de usineiros dispostas a pagar cem dólares pelo atendimento? Já pensaram em quantas noites Dona Branca precisa para atingir esse valor?” “Fique tranqüilo Otavin ... Otavio! Eu mesma serei a primeira!” Disse Dona Damaris sob novo fuzilamento de olhares!
Liberadas as damas,
Otavio começou os preparativos. Metódico como todo Espírito Matemático alcançou
sua caderneta e anotou: falar com Felipão ( Felipe Westim Cabral de
Vasconcelos, Catedrático de Horticultura )- tenda; Brieger ( Frederic G.
Brieger, catedrático de Genética _ - orquídeas; Zé Bene ( José Benedito de
Camargo, catedrático de Engenharia Rural e Hidráulica, - estrutura da tenda e
Accorsi ( Walter Radamés Acccorsi, catedrático de Botânica ) - ervas
aromáticas. Nesse momento adentram Carlos ( Carlos Teixeira Mendes, catedrático
de Agricultura Especial ), seu irmão e um jovem desconhecido. “Otavio, o que é
esse alarido feminino que passou por nós?” “Grandes planos!” Diz Otavio olhando
para o infinito! “Otavio, Otavio, veja bem o que está fazendo! Lilía já ouviu
murmúrios sobre um acontecimento que está sendo preparado para a quermesse!”
Tirando a última tragada do Castelões, deu um sorriso malicioso e digrediu:
quem é o jovem?” “Ah!, é o filho de um amigo, calouro deste ano, Hugo de
Almeida Leme. Ele é louco por máquinas e motores e gostaria de ajudar aqui nas
horas vagas.” “Ótimo! Um estagiário! Hugo já tenho um servicinho pra você,
procure o Gorga no galpão e veja de consegue um tábua de 50x50 e pregos com
pontas bem afiadas, uns cem! Faça-me uma almofaada de faquir! E sem
perguntas!” Hugo viria, tempos depois, a ser Catedrático de
Mecânica, na vaga deixada por Otavio, e,mais bom tempo depois convocado para
ser Ministro da Agricultura do “Movimento” de 1964!
Tudo pronto para o que
poderia se chamar Operação Faquir! O dia da quermesse aproximava-se
celeremente. A Praça da Matriz parecia um pátio de obras! Otavio e
Felipão escolhiam a melhor localização da tenda do faquir. “Euereca!” Exclama
Felipão dirigindo o olhar para o imponente prédio da esquina da Rua Morais
Barros, o Hotel Central, a jóia da arquitetura da cidade! Ali será a Tenda de
Al Balat! Otavio só olhava. “Veja Otavio, A Porta Monumental, seguida de
pequena escada de mármore de Carrara branco! Zé Bene faz umas colunas de
madeira encimadas por tesouras de Cremona que tanto gosta! Suportarão o peso
dos vasos que darão a sensação de um Oasis! As orquídeas do Brieger e uma
pequena corrente de água darão a sensação de frescor das noites dos desertos!”
“Frescor? Com esse puta frio que está?“ Reclamou um ajudante. O inverno estava
rigoroso! Accorsi que acabara de chegar foi logo dizendo: “Otavio, seu faquir
vai suportar o frio?” “Não sei Walter, mas são só seis leituras quiromânticas!
Penso que dá.”
Chegando em casa disse
quase gritando: Leona, como tratava Leonina, vá já à Porta Larga e me compre
uns panos bem coloridos. Podem ser de seda e um mais leve, azul turquesa.Com os coloridos me faça um
‘dhoti’ e com o azul um grande turbante “Sabia que ia sobrar alguma pra mim!”
Era 31 de julho, véspera do esperado evento!
O dia primeiro foi uma
correria! Às dezoito horas tudo estava pronto! A tenda, à porta do hotel estava
maravilhosa! Curiosos se juntavam para ver o trono do Faquir com sua almofada
de pregos muito ponteagudos!
Às sete e cinqüenta e
cinco chega o taxi do Mennucci com o Faquir Al Balat! “Oh!” Gritou Dona Damaris
a primeira fila, que já tinha umas trinta senhoras! Alguém avisou que Otavio se
resfriara.
Al Balat desceu do
taxi, recusou ajuda e se dirigiu ao trono! Habilmente livrou-se da almofada e
sentou-se sobre a almofada do trono. Somente Carlos percebeu a operação e disse
para Lilía: “Esse Otavio!!!!!”
Dona Damaris foi
chamada e toda regateira sentou-se diante de Al, que já se tornara “de casa”!
Não sem antes roçar seu joelho com o de Al, que esboçou um sorriso malicioso!
Tomando sua mão esquerda com muito charme, acariciou-a suavemente e, graças à
sua profunda inteligência e pelo que conhecia de Dona Damaris, e que não era
pouco, foi lhe fazendo previsões que ela ouvia e quase desmaiava!
Otavio se utilizara de
uma barba negra postiça que além de torná-lo irreconhecível disfarçava sua
feiúra! Assim passou-se a noite até que a fila chegou ao fim! Quase trinta
mulheres e alguns homens!
Aí aconteceu o pior!
Depois de horas sentado, na posição de Yoga, com aquele puta frio, como previra
o operário, não conseguia se mexer! “Nossa, o Faquir está intanguido!!! Em
linguagem rural antiga intanguido é o mesmo que encarangado!
Assim o colorido
Faquir Otavio Al Balat foi hospitalizado!
Nota: este caso foi
baseado em fatos verídicos!
De Porto Seguro, BA,
em 12/12/2018.