Blog Esalqueanos
Fórum de Davos reforçará sensacionalismo contra carne bovina (Big-Ben; F97)
17/01/2019 - Por mauricio palma nogueiraAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Divulgado na mídia como se fosse pesquisa científica, a versão 2019 da série de relatórios "Meat: The Future" focará no uso de proteínas alternativas para reduzir o consumo de carne nas próximas décadas. O relatório será apresentado entre os dias 22 e 23 de janeiro durante o Fórum Mundial de Economia, em Davos, nos Alpes Suíços. A argumentação segue a corrente de pensamento que busca associar a pecuária a fatores que ameaçam a sustentabilidade do planeta.
Essa tese ganhou força a partir do relatório "The Livestock Long
Shadow", publicado em 2006. Desde então, pesquisas recentes e a exaustiva
explicação sobre produção pecuária e reações bioquímicas no sistema
solo-planta-animal-atmosfera foram apresentadas pela comunidade científica especializada.
Ainda assim, tais conhecimentos continuam sendo negligenciados pelos autores
que se propõe a discorrer sobre o tema. Para salvar o planeta, recomendam
trocar a carne por tofu, jaca, lentilha, insetos ou hambúrgueres cultivados em
laboratório.
Além da ameaça ambiental, o relatório baseia-se na tese de que o
consumo de carne impacte negativamente a saúde humana. Para tanto, os autores
focam a argumentação em variáveis que também estão associadas a outros tipos de
alimentos. É o exemplo dos altos teores de sódio, que não é exclusividade e nem
particularidade da carne.
Ao elencar as vantagens em substituir a carne, exploram a deficiência
de alguns nutrientes, como o caso das fibras. Embora a observação esteja correta,
suas premissas desconsideram a opção de uma dieta equilibrada, incluindo
cereais, legumes e verduras.
Quando
todo o balanço é rigorosamente considerado, conclui-se que a pecuária seja
capaz de neutralizar e até mesmo remover da atmosfera mais carbono do que
emite.
Ao
desconsiderar a remoção de carbono pelo sistema de produção, os responsáveis pelo
relatório desprezam décadas de pesquisa e conhecimento acadêmico sobre
edafologia, construção de fertilidade do solo, bioquímica e produção pecuária
em ambiente tropical.
Do
ponto de vista ambiental, a sugestão de substituir o consumo de carne por
proteínas artificiais é um contrassenso. Os próprios autores do relatório
apontam que as emissões são elevadas em função da energia demandada na produção
da carne artificial. Relatam que as emissões para a produção de ambas as
proteínas sejam semelhantes, sendo que a remoção de carbono ocorre apenas na
produção natural a campo.
Atualmente,
o custo do hambúrguer de laboratório lá nos Estados Unidos é o equivalente a
R$93/kg. No Brasil, ao consumidor, a carne bovina chega a R$22/kg, considerando
a ponderação entre preço e proporções dos cortes em uma carcaça. Os autores
apostam na evolução tecnológica para projetar uma redução nos custos dessa
proteína nos próximos anos. No entanto, novamente, omitem o potencial
tecnológico do sistema de produção de carne bovina nos trópicos.
No
Rally da Pecuária, expedição que vai anualmente a campo entrevistar produtores
nas principais regiões produtoras do Brasil, a produtividade média registrada entre
os 10% mais eficientes está por volta de 750 kg de carcaça (carne com osso) por
hectare/ano. A produtividade média no Brasil é de apenas 60 kg/ha/ano.
Num
cálculo hipotético, imaginando que toda a pecuária atingisse este nível de
produtividade, só o Brasil seria capaz de ofertar cerca de 130 milhões de
toneladas de carcaça bovina na mesma área atual de 165 milhões de hectares. É
quase o dobro de toda a produção mundial, que em 2018 foi de 72 milhões de
toneladas.
Nessa
hipótese, apenas aumentando a produtividade do sistema de produção brasileiro,
a oferta de carne bovina seria suficiente para elevar o consumo per capita
global de 9,6 kg para 25 kg de carne bovina por ano. E esse sistema ainda pode
ser replicado na África subsaariana e em outros países da América do Sul e Ásia,
com elevado potencial de redução nos custos de produção e consequente disponibilidade
de carne bovina às populações mais pobres.
Do
ponto de vista ambiental, econômico e social, é muito mais interessante
discutir e incentivar ações que possibilitem disseminar o potencial da produção
tropical, já testado a campo, para outras regiões do globo. Além da
possibilidade de atender a demanda por proteínas mais nobres, a própria
produção contribuiria para a melhoria da qualidade de vida nestes países de
clima tropical.
Resumo
anual sobre o fluxo financeiro na cadeia produtiva de pecuária, calculado pela
Athenagro e divulgado pela Abiec (Associação Brasileira das Indústrias
Exportadoras de Carne), mostra que, para cada R$ 1 que entra nas fazendas
produtoras de gado, outros R$ 6 são movimentados em outras etapas da cadeia
produtiva.
A elaboração
de relatórios, como os da série "Meat: The Future", tende a influenciar
decisões que impactarão a vida de bilhões de seres humanos. No entanto, ao
omitir variáveis cientificamente comprovadas na construção dos cenários, os
autores comprometem as conclusões que serão formuladas num fórum da importância
do que será realizado em Davos. Pressões contrárias à produção de carne impactarão
negativamente o fluxo de investimentos em sistemas de produção mais intensivos;
aí sim, mais sustentáveis.
Ao
invés de desenvolvimento, melhoria da qualidade de vida e acesso à proteína de
qualidade, a proposta dos autores é oferecer jaca, tofu, lentilha, insetos e
uma carne artificial a um preço inacessível à população mais pobre do planeta.
Não deixa de ser uma recomendação desumana.
* Maurício Palma Nogueira (Big-Ben, F-97)
engenheiro agrônomo, sócio da Athenagro, coordenador do Rally da Pecuária, ex-morador da República Jacarepaguá