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Não olhe para os autos (Big-Ben; F97)

23/10/2022 - Por mauricio palma nogueira
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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Discutir política não é problema. O problema está na intolerância que tomou conta da sociedade, diante de opiniões diferentes. É nosso dever combater essa intolerância, elevando o nível das discussões.

Sempre gostei do debate político, desde que seja racional mesmo quando as posições são marcadas com firmeza.

 

Eu não sou Bolsonarista. Mas todos que me conhecem sabem que vou votar nele. Sempre deixei claro quando me manifestei, seja no privado ou através de posts e artigos.

 

Hoje estou entre aqueles que foram chamados de isentões. Nunca fui isento. Só não concordo com aqueles que tentam impor sua posição pela intimidação. Não é muito difícil de entender.

 

Em todas as eleições, deixei claro o meu posicionamento. Mas nunca me expressei no sentido de pedir voto para nenhum deles, como estou fazendo agora. E faço isso não pelo Bolsonaro, mas sim pela situação.

 

Não é minha pretensão tentar mudar o voto de quem acredita que o Lula seja a melhor opção. Discordo completamente, mas respeito, e continuarei respeitando, quem assim acredita. Eu não posso exigir que os demais raciocinem de acordo com os meus padrões. Também não posso ofendê-los.

 

Eu quero me comunicar com aqueles que estão decidindo simplesmente pelo medo de uma ruptura institucional.

 

É fato que Bolsonaro errou feio na condução do debate sobre as urnas eletrônicas. A proposta de impressão dos votos para conferência, caso fosse necessária, foi discutida no congresso. Não passou. Ao insistir no tema, Bolsonaro sinalizou a possibilidade de não reconhecer os resultados das eleições diante de uma derrota.

 

Independentemente do que se pensa sobre o assunto, é inquestionável que a discussão gerou esse receio em grande parte da população. E, gostem ou não, tal receio foi alimentado pelo próprio presidente.

 

No primeiro turno, essa argumentação para não votar em Bolsonaro tinha fundamento. No entanto, perdeu todo o sentido agora no segundo turno.

 

O outro candidato também sinalizou ruptura institucional em várias ocasiões. A principal delas é defender o controle e regulação da mídia.  Mas há também outras propostas que envolvem alterar, por decreto, assuntos que já foram decididos pelo congresso ou pela sociedade através de referendo. No caso da comercialização das armas, por exemplo, o referendo foi feito durante o seu próprio governo, em 2005.

 

Só para não nos perdermos por aqui. Não interessa o que eu penso sobre a comercialização de armas. Foi a escolha que a sociedade fez quando consultada. Ponto.

 

Ao dizer que irá decidir de forma contrária à escolha da população, não estaria o próprio Lula afirmando que não aceita o resultado de um referendo?

 

Nessa questão de ruptura institucional, Lula é ainda é pior. Seu governo foi marcado por escândalos de recursos desviados para compra de votos no congresso. Dizer que vai votar no Lula em defesa da democracia não faz nenhum sentido. Ele agiu para corromper os dispositivos democráticos. Comparar o mensalão ao que está sendo chamado de orçamento secreto (emenda do relator) é mera desinformação para relativizar a gravidade das ações do governo Lula contra os pilares democráticos.

 

Mais uma vez, para não nos perdermos, observe que não estou discutindo a imoralidade, ou riscos de corrupção, representada pela emenda do relator. Vale a pena se informar melhor sobre o tema para não cair em narrativas, de qualquer lado que seja.

 

Com relação ao Bolsonaro, antes de sua eleição em 2018, a discussão era a mesma de agora. Jornalistas seriam perseguidos, a liberdade seria ameaçada, sociedade seria calada, pessoas seriam presas sem o devido julgamento etc.  

 

De fato, todo o temor vem se confirmando, não por ações do presidente, mas sim por atuação do supremo.

 

E os abusos contra as liberdades individuais estão aumentando. Na última semana, chegou-se ao absurdo de um canal de rádio e televisão ser censurado em níveis nunca visto antes, nem mesmo durante o regime militar. E não é exagero.

 

A Jovem Pan, e seus comentaristas, foram proibidos de mencionar os resultados do processo legal relacionado ao ex-presidente Lula. Não se trata apenas de censurar opiniões, artigos, propostas, ideias... Estão censurando que falem sobre fatos registrados nos autos judiciais. É inacreditável.

 

No filme "Não olhe para cima", a trama se desenvolve quando o governo tenta esconder que um meteoro está chegando para destruir a Terra. Quando a ameaça está bem próxima, já visível, inicia-se a campanha para não olhar para cima e, consequentemente, não ver que o meteoro realmente está chegando. Nem seria preciso dizer que o impacto acontece, independente de crenças e propagandas.

Aqui estamos vivendo o "Não olhe para os Autos".

 

Até mesmo um ex-ministro do supremo, que acompanhou todo o desfecho antes de se aposentar, foi alvo de censura. Suas falas explicando o processo não podem circular.

 

Além do absurdo que representa, e por mais inacreditável que seja, essa nova versão de censura é também uma ironia. Os mesmos juízes passaram meses falando sobre negacionismo e defesa da democracia.

 

Será que informar corretamente o que ocorreu com o processo do ex-presidente não é importante para que a sociedade exerça o seu direito, imparcialmente?

 

Ao impedir que o jornalismo desminta quando um dos candidatos se diz inocente, o supremo não estaria trabalhando a favor de uma mentira?

 

Não se trata de difamação e nem de fakenews. São conclusões que foram discutidas em três instancias judiciais e, posteriormente, chegou ao supremo. As decisões desfavoráveis (condenação) e favorável (anulação) precisam ser esclarecidas, visto que o alvo principal do processo concorre ao mais alto cargo do país. O assunto não poder ser banalizado ou convenientemente esquecido. 

 

Impedir que o jornalismo, ou mesmo a campanha do outro candidato, esclareça os fatos é uma explícita interferência no processo decisório.

 

O jogo está desequilibrado.

 

Como cidadãos atentos, diante do evidente desequilíbrio em favor de um dos candidatos, entendo que seja nossa obrigação movimentar as forças para o outro lado.

 

Vamos imaginar o pior cenário. Imagine que Bolsonaro, de fato, represente uma ameaça em um eventual segundo mandato.

 

Hoje, estaríamos trocando o risco de que essa ameaça se confirme, no futuro, pela decisão de implementá-la agora.  Ao invés de dar o benefício da dúvida para o acusado, estamos escolhendo a certeza imediata do problema.

 

Em recente reunião dos ministros do supremo, Carmem Lúcia discorreu sobre a inconstitucionalidade da censura, apesar de defender que tais decisões sejam provisórias e necessárias para funcionar como um remédio. Suas falas estão circulando em um trecho do vídeo da reunião entre os ministros.

 

Vamos lembrar que os primeiros 4 atos institucionais do regime militar também eram provisórios. Até a chegada do ato institucional número 5.

 

Em sua obra, Elio Gaspari divide os dois períodos - anterior e posterior ao AI 5 -  em "Ditadura Envergonhada" e "Ditadura Escancarada" .

A democracia já está na UTI.

 

Hoje, por mais indigesto que seja, e por mais irônico que pareça, a melhor forma de defendermos a nossa liberdade, pacificamente, é votando no Bolsonaro, mesmo que todos os receios em torno dele façam sentido. Na pior das hipóteses, estamos adiando o problema e dando tempo para reagir.

 

Quer mais um argumento?

 

Na hipótese de que os dois representem riscos à democracia. Contra quem será mais fácil lutar diante de uma eventual confirmação dessa ameaça? Contra aquele que toda a imprensa se levanta, diante de meras palavras desastrosas, ou contra aquele que, mesmo depois de tantas ocorrências, a imprensa se cala e o aponta como opção democrática?

 

Hoje, infelizmente, muitos estão aplaudindo esse ataque à liberdade simplesmente porque desprezam aqueles que estão sendo censurados. Mas não percebem o risco que essa censura representa.

 

O totalitarismo é imprevisível em identificar inimigos e ameaças. Os amigos de ontem são os alvos de amanhã. O totalitarismo também é pendular, ora favorecendo um lado, ora o outro.

 

Essa censura uma hora chegará a você, às pessoas que você gosta ou aos seus filhos. Não podemos alimentá-la.

 

Por fim, quero lembrar que não sou influencer e nem tenho a intenção de ser. Meu objetivo aqui é falar com as pessoas do meu círculo de amizade. Pessoas com quem me importo.

 

Mesmo as que pensam diferente, peço que coloque tudo isso na balança e reflitam.

Reflitam com base no que está acontecendo e não simplesmente atacando o mensageiro com adjetivos e comentários depreciativos. Pensem, sem o compromisso de concordar. Discordar é válido. E é maravilhoso.   

 

Depois de refletirem, se continuarem acreditando que a melhor opção seja o Lula, sem problema. Vamos continuar nos respeitando. Mas não decidam sem levar os atuais acontecimentos em consideração.

 

E outro objetivo é deixar registrado o que eu penso diante do cenário atual. A história vai dizer se eu estive do lado certo ou do lado errado. Se eu estiver do lado errado, eu já deixo aqui o meu pedido de desculpas àqueles que, de alguma forma, acabaram sendo convencidos pela minha linha de raciocínio.

 

Entre o primeiro e o segundo turno, estamos somando mais uma mensagem perigosa que a sociedade brasileira pode entregar para os governantes: a de que estamos dispostos a abdicar da nossa liberdade, confiando que tribunais da verdade ditem o que é melhor para nós.

 

Se assim ocorrer, essa mensagem se uniria à percepção de que, aqui no Brasil, o crime não só compensa como também gera dividendos.

 

Maurício Palma Nogueira (Big-Ben, F-97) é engenheiro agrônomo, sócio da Athenagro, coordenador do Rally da Pecuária, ex-morador da República Jacarepaguá

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