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O agro é frágil (Alfinete; F08)
22/08/2019 - Por rodolfo tramontina de oliveira e castroAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Essa semana minha sogra me olhou torto no almoço - e ela gosta mais de mim do que da própria filha. No café do escritório ninguém tocou no assunto. No jantar com novos amigos me limitei a me apresentar como engenheiro. Até minha mãe veio comentar com ar de desaprovação. Está difícil ser 'agro'.
Estamos apanhando feio, de tudo quanto é lado, dos confins da Amazônia as nuvens negras em São Paulo. E a culpa é toda nossa. Nada de pop, nem tech. O agro é frágil, e se comunica muito mal.
Em meados do século XVIII, o aristocrata britânico John Montagu, o 4º Conde de Sandwich, passava grande parte de seu tempo livre jogando cartas. Ele gostava muito de comer um lanche enquanto mantinha uma mão livre para as cartas. Então ele teve a idéia de colocar uma carne entre fatias de pão, o que permitiria que ele comesse enquanto jogasse cartas. Hence, sandwich.
Até o final desse texto você provavelmente se esquecerá do nome, do século e dos principais pontos da história, mas toda vez que comer um sanduíche são grandes as chances de materializar um baralho na mão livre. Histórias, narrativas, exercem um imenso poder em como aprendemos ou assimilamos conhecimento.
Quando era mais novo meu avô liderava meus primos e eu em 'aventuras' em seu sítio no Vale do Paraíba. Ele contava sobre os tratos das vacas, dos cavalos, das árvores frutíferas e da cana. Pequenas anedotas, tracejos, que de alguma maneira influenciaram minha escolha futura. Essa foi minha infância e de muita gente. Onde essas histórias se perderam?
O filósofo Nassim Taleb categoriza ideias em dois tipos: frágeis e antifrágeis. As primeiras se rompem, quebram ou se deformam quando submetidas à pressão. E diferente do 'clássico antônimo' de duro, resistente ou resiliente, as antifrágeis são as que se beneficiam de pressão externa.
Molas são antifrágeis. Livros vendem mais depois de censurados. Drogas também. Vespeiros são antifrágeis. Notícias ruins, escândalos políticos, fake news também. Quanto mais atenção (tensão), maior ficam.
Desmatamento na Amazônia, uso de agrotóxicos, câncer e glifosato, mudanças climáticas e pecuária. Pouco importam os dados, estudos, ciência e fatos. A narrativa que importa. As vezes só elas importam.
Veja o caso mais recente. O Governo arrumou briga com o instituto que monitora e divulga o desmatamento na Amazônia. Depois com as ONGs, Europa e umas baleias. O diretor foi afastado. O dado crível, entretanto, é que o desmatamento na bacia amazônica está pouco abaixo da média dos últimos quinze anos. Mas o dado é do instituto descreditado anteriormente. E zugzwang, apesar da região estar 'abaixo da média' os focos de incêndio em Rondônia e Amazonas aumentaram. Uso um dado e não o outro? A narrativa não se sustenta. Já foto de fogo em instagram de artista internacional alastra mais rápido do que bituca de cigarro em beira de estrada.
Não se combate 'agrotóxicos' comparando consumo de químicos entre área agricultável no Brasil e Japão. Muito menos quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia com baleias dinamarquesas. É usar gasolina para apagar fogo. É incentivar o caos em coisas que se beneficiam da desordem.
O agro está frágil. É preciso reescrever nossa história.