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O Agro, O Ambiental, e eu no meio (Alma; F97)
21/08/2019 - Por fernando de mesquita sampaioAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Em primeiro lugar, deixemos claro: sou um defensor do agro nacional.
Espero que ninguém duvide disso. Já discursei inflamadamente no Parlamento Europeu defendendo nossa pecuária. Já fui aplaudido de pé num Congresso Mundial da Carne. Já enfiei o dedo na cara de um chefão da FAO dizendo que era uma ideia de jerico achar que fazer pessoas comer insetos seria uma solução para o mundo. Chamei um diretor do Greenpeace de mentiroso em um evento do Financial Times organizado pela Embaixada brasileira em Londres, onde eu, ao lado de feras como Marcos Jank, Christian Lohbauer (e a Katia Abreu, quando esta era a Dama de Ferro da CNA) defendíamos nosso setor. Falei para mil pessoas em um congresso internacional que veganismo era coisa de gente elitista, que eu nunca tinha visto pobre vegetariano. Fui alvo de haters da internet. Mandei Bruno Covas, quando este era secretário de meio ambiente, em carta aberta, abrir a janela do gabinete e sentir o cheiro do Rio Pinheiros quando ele propôs segunda sem carne nas escolas de São Paulo, para que ele refletisse sobre suas prioridades. Escrevi publicamente contra a mesma ideia tosca na ESALQ, falando que universidade era local de debater ciência e não fazer proselitismo.
Dei entrevistas na Europa inúmeras vezes criticando o protecionismo disfarçado dos europeus. Defendia em todas as COPs que fui a agropecuária brasileira. Xingava irlandeses quando nem era moda. Falei a diplomatas, jornalistas, estudantes, homens de negócio, ministros, pesquisadores, ambientalistas, procuradores. Escrevi inúmeros artigos. Fiz lobby. Dei sangue suor e lágrimas de Brasília a Xangai para mostrar o que é e o que pode o Agro brasileiro.
Portanto sou um defensor do Agro nacional. O palhaço que duvidar disso pode marcar hora e local e escolher entre pistolas ou espadas. Ou uma bifa no meio da fuça. Talkey?
Em segundo lugar, na cuestão do meio ambiente, desde que comecei a trabalhar com comércio internacional, vi que esse troço ganhava importância, ora como desculpa para protecionismo, ora como preocupação legítima de empresas e consumidores. Como atuava no mercado de carne, a coisa piorava. A pecuária estava ali no eixo do mal junto com mineração e geração de energia.
Pensei cá comigo...ou a gente toma conta disso ou vão tomar conta por nós. Não existe vácuo... Pois é. Sempre tive a convicção que o Agro, latu sensu, englobando instituições de ensino e pesquisa, profissionais, produtores, empresas, deveriam assumir não o meio ambiente como "causa", mas como parte integrante e inalienável de seu universo.
Por alguns motivos. Por exemplo, acesso a mercados e acordos comerciais. Existem mais de 800 compromissos públicos de empresas, traders, processadores, varejistas que querem suas cadeias de fornecimento sustentáveis. Os acordos internacionais, do Acordo do Clima de Paris ao EU Mercosul tem clausulas ambientais. Outro exemplo, os efeitos no clima, não o daqui a 50 anos, mas o aqui, agora, nas chuvas do centro oeste por exemplo. Outro exemplo, a exploração da biodiversidade comercialmente. Outro exemplo, a degradação de áreas agricultáveis. Outro, grande parte dos produtores rurais ainda não consegue nem cumprir a legislação, e com isso não acessam crédito, não investem em produtividade. Eu poderia passar o dia falando do assunto. E agronomicamente sabemos, que o ambiente é um só, entre solo, clima e plantas, tudo faz parte de um mesmo sistema.
Ocorre que ainda hoje, quase 30 anos depois da Rio92 (entrei na ESALQ em 93), quando eu converso com gente do Agro eu identifico alguns tipos básicos de relação com o ambientalismo.
O primeiro é o tipo Policarpo Quaresma. Aquele que fala que nós somos os mais sustentáveis do planeta Terra. Que nós só produzimos em 7,5% da área do país, que alimentamos o mundo, que nossos bosques tem mais vida, nossa vida mais amores.
O segundo é o tipo Viúva do Enéas, vulgo terrorista de whatsapp. Esse acha que os noruegueses vão vir aqui escondidos a noite e roubar o nióbio do subsolo brasileiro, e que a Amazônia vai ser declarada território internacional com a ONU tomando conta e o George Soros pagando os índios (se tá na internet é verdade véi).
O terceiro é o tipo Ludmilla. Quero mais é que se exploda e ninguém vai estragar meu dia. Lá quero saber de floresta e coisa de maconheiro e vegano que come vegetais.
O quarto é tipo Bonequinha de Luxo. Só pagando. Vamos queimar tudo porque ninguém me paga pra ser sustentável.
E tem o quinto, o Vingativo. Podemos desmatar porque a Noruega mata baleias, os europeus desmataram tudo, os americanos exterminaram seus índios.
Às vezes é tudo junto e misturado, mas se você se enquadra em algum desses a coisa tá feia.
Veja bem, vídeo de whatsapp não é evidência científica, grileiro não é produtor rural, tem país que preserva mais que o Brasil, a Noruega exporta fertilizantes para o Brasil, não produz soja nem carne e não tem o menor interesse em ver nossa produção diminuir, nenhum gringo vai vir aqui levar nióbio nas costas embora.
Obviamente que há gente no Agro que compartilha minha visão, e que também acham que podemos fazer bem melhor que isso.
Sim, O Brasil desenvolveu por mérito próprio tecnologias de produção tropical, criou a ILPF, colocou através do Código Florestal grande parte da responsabilidade pela conservação nas costas de produtores rurais, e apesar de toda a política de ocupação territorial desenvolvida por sucessivos governos brasileiros temos 60% do país preservado.
Sim, isso é ótimo. Temos excelentes produtores que são também conservacionistas, produzindo com alta tecnologia.
Mas achar que por isso somos os mais sustentáveis do mundo no campo é como achar que nossas cidades são ótimas porque temos bons shoppings e condomínios fechados nelas. E isso não tem nada de ofensivo aos produtores rurais.
Ao contrário, temos uma série de problemas que estão fora do Agro empreendedor, sério e eficiente mas que são os que refletem negativamente no setor como um todo.
O Brasil continua agindo como se nosso estoque de terras fosse infinitos, ocupando, degradando, avançando. Não temos a menor ideia de como fazer ordenamento territorial, ou planejamento de paisagem, algo que a Europa faz há séculos (sim, temos coisas a aprender com eles).
Ocupamos desnecessariamente terras sem aptidão agrícola nenhuma e imobilizamos áreas aptas. Colocamos assentamentos onde não há mercados. Uma pequena parte dos produtores produz quase a totalidade do valor da produção agropecuária, o resto subsiste na terra sem investimento e sem tecnologia, condenados a abandonar a atividade ou à subsistência. Não há política pública voltada a pobreza rural. Não aproveitamos nossa biodiversidade. O que temos a oferecer as regiões ricas em florestas mas sem aptidão agrícola nenhuma? Slash and burn? Enquanto outros países fazem patentes com nossos produtos? Pouquíssimas soluções em vista para conflitos agrários ou regularização fundiária.
E aí o máximo que escuto das nossas famosas "lideranças", em vez de debruçarem-se sobre estes problemas, são propostas para campanhas contra a "difamação" do Agro.
Meus amigos, deixa eu falar uma coisa. O povão gosta do Agro. Quer comida barata. Agro gera emprego, desenvolvimento, renda. Tem meia dúzia que escreve no jornal que são de fato ideológicos. E tem gente que surfa na onda lá fora para tirar proveito. Mas fazer campanha não muda um milímetro a opinião dessa turma. E uma foto, uma única foto, pode acabar com a sua campanha em segundos. O que muda são ações concretas, para resolver problemas que normalmente o Agro encara como sendo "problema de governo". Não é não... Podemos substituir um ambientalismo obtuso da conservação pura e simples por um desenvolvimento racional. E o melhor de tudo, o Brasil pode ser uma liderança global no assunto clima ao mesmo tempo em que promove esse desenvolvimento. Como diz o Eduardo Assad, o problema dos outros países está em transporte e energia, o nosso é floresta e pasto, é muito mais fácil e mais barato para melhorar. Contribuir para mitigação de mudanças climáticas em uma escala fenomenal é só um efeito colateral de gerirmos melhor nosso território... Mesmo que você ache que aquecimento global é armação comunista e que a Terra é plana.
Eu comecei minha carreira vendendo um produto, carne. Sabia tudo sobre carne. Fui parar na indústria, na Abiec. Lidei com problemas ambientais, TACs, campanhas difamatorias, negociações internacionais. Me envolvi com os problemas da cadeia através do GTPS. Hoje estou em Mato Grosso, tentando construir pontes entre a produção, a conservação e a inclusão socioprodutiva. Sempre negociando, e sempre sob bombardeio cerrado. Mas sim, tem muita gente boa que entende isso, no Agro também.
Ignacy Sachs, um dos grandes mestres do conceito de desenvolvimento sustentável acreditava que o Brasil poderia ser um novo modelo para o mundo, baseado em BBB. Não, não é Big Brother Brasil. É biomassa, biodiversidade, biotecnologia. Ou tudo junto, uma nova bioeconomia. Não só para produzir os 4F, Food, Feed, Fiber, Fuel do futuro, mas superalimentos, nutraceuticals, e tudo o mais que pudermos explorar.
Eu acredito nisso, e acredito que isso possa ser bom para todo mundo (pausa para cantar Imagine all the people....). Nossas escolas de Ciências Agrárias deveriam tornar-se escolas de bioeconomia, e incorporar em seus currículos políticas públicas, ordenamento territorial, e tudo mais que possa transformar essa realidade.
Faço votos que os Esalqueanos do futuro sejam mestres desse um novo mundo.
Fernando Sampaio (Alma F97), é Engenheiro Agrônomo e Ex Morador da República Lesma Lerda