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O Conto da Fazenda Experimental Bolivariana (Sifu)
04/04/2015 - Por marcos fava nevesAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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mixing adderall and weedO Conto da Fazenda Experimental Bolivariana
Por Marcos Fava Neves
Este conto teve uma inspiração interessante.
Passando pelos canais da TV num sábado à tarde para achar algo que captasse
minha atenção, eis que encontrei para rever, o filme “A Praia”, que tem
Leonardo Di Caprio como ator principal. Para quem não viu, o filme relata as
experiências de uma comunidade sonhadora de um novo mundo, que vai para uma
praia deserta na Tailândia, e tenta se organizar coletivamente. O filme tem um
cenário maravilhoso, e uma interpretação soberba deste ator. Vale, sem dúvida
assistir. Mas o que teria a haver este filme com nossa conto, nossa ideia?
Ao perceber no Brasil um crescente movimento ideológico
contra a empresa, contra o lucro, da demonização do empresário, pois hoje quem
quer produzir é quase que um criminoso ambiental, trabalhista, social e assim
por diante, depois de escutar tanta bobagem destes micropartidos na propaganda
eleitoral gratuita e também estar cansado de gente alienada, pendurada e que só
reclama, vendo “A Praia”, tive uma ideia que pode até ser interessante.
A ideia seria a de criarmos, nos mesmos moldes
do filme “A Praia”, uma fazenda experimental, servindo a diversos propósitos
secundários, elencados ao final deste texto, mas com o propósito principal de
mostrar a importância da agricultura e do trabalho no dia a dia de todas as
pessoas, pois até que algo futurista aconteça, nossos organismos são “movidos à
alimentos”.
Uma área abençoada em termos de solos, incidência
de sol, regime hídrico, seria escolhida em fronteiras do Mato Grosso,
Tocantins, Maranhão, enfim, numa destas bênçãos divinas recebidas pelos
moradores do Brasil. Cercaríamos e colocaríamos em marcha o projeto.
Mas quem iria para a Fazenda? Para lá seriam
levados para um estágio as pessoas críticas à agricultura, ao produtor rural,
ao agronegócio e as que tem visão deturpada ou parcial sobre o setor. Iriam
desde os que pregam a socialização dos meios de produção, os que são ideologicamente
contra a empresa, contra o lucro, contra a ordem e o progresso, os radicais de
diversos setores, os invasores (ou “ocupadores”), os anti-produção, os que
desejam transformar o Brasil numa mega-aldeia, ativistas, representantes de
algumas ONG’s confinados no sempre refrigerado ambiente Brasília/cidades
internacionais, filósofos de gabinete, alguns artistas globais do eixo Ipanema,
Leblon, Butantã, Pompéia, que pensam que seu baby beef nasceu na cozinha do restaurante da Vieira Souto e seu
chopinho foi gerado dentro da chopeira dos maravilhosos bares da Ataulfo de
Paiva ou dos arredores de Pompéia.
Levaríamos também gente que acredita nos
modelos da Coréia do Norte, Cuba e Venezuela, entre outros. Selecionaríamos
parte dos 61 milhões de brasileiros em idade de trabalho, mas que não trabalham,
não procuram trabalho e não estudam, entre eles os dependentes de bolsas
Governamentais que tem habilidade, capacidade e ofertas de trabalho e os
usuários do auxílio desemprego que forçaram suas demissões. Ou seja, a geração
“nem-nem” também iria, os jovenzinhos
ativistas ainda pendurados nas bolsas paternas e os outros não tão jovens, em
idade de trabalho, mas que esticam até os 30, 40 anos sua permanência na
universidade pública, normalmente em cursos sem demanda.
Para poupar um esforço inicial dos habitantes
desta fazenda, já entregaríamos a área com todo o cipoal de licenças e
burocracia necessárias para se trabalhar e produzir. Teríamos uma
infra-estrutura coletiva de hospedagem na fazenda, com bons banheiros, porém, todos
coletivos. Haveriam telefones coletivos e uma sala de informática coletiva, com
os softwares de domínio social. Produtos de limpeza, cosméticos básicos,
medicamentos genéricos e outros suprimentos importantes seriam fornecidos
gratuitamente até que o fruto do trabalho e da produção na fazenda conseguisse
comprá-los.
Um telão de TV central, apenas com os canais
abertos, no refeitório seria permanentemente gratuito. Sem direito aos filmes
de Hollywood, HBO e outros “lixos do império”. Nestes canais teríamos o
noticiário do Brasil e a transmissão da TV de Cuba, da Venezuela, Coreia, e
seriam reprisados todos os programas eleitorais dos micropartidos radicais,
além de aulas de produção comunista gravadas e filmes da antiga DDR (Alemanha
Oriental). Via assembleias e conselhos populares, a FEB criaria suas próprias
mídias e poderia adotar até o controle social da mídia, caso esta fosse a opção
vitoriosa.
Como somos todos a favor do “Fome Zero”, a
fazenda teria uma safra de cada produto adequadamente armazenada para o
consumo. Ou seja, teríamos milho, soja, hortícolas, frutícolas, açúcar, carne,
cana... suficientes para uma rodada de consumo, portanto, para a segunda, teria
que ser imediatamente plantado, cultivado e colhido, ou seja, trabalho pela
frente aos habitantes da FEB à partir já do primeiro dia. Deixaríamos um
rebanho bovino suficiente para um ciclo, bem como frangos, suínos e cordeiros e
um lago com tilápias e equipamentos de pesca.
Para o plantio da safra seguinte, já deixaríamos
no armazém as sementes padrão e as geneticamente modificadas. Deixaríamos mudas,
fertilizantes, defensivos e máquinas/implementos, desde os mais rústicos usados
nos anos 30 e 40, até as máquinas com GPS utilizadas hoje.
A biblioteca da FEB seria completa: para tudo
teríamos livros explicando, desde como plantar, adubar, cultivar e colher, como
manejar as máquinas, uso de defensivos, equipamentos de proteção, compostagem, doenças
dos animais, enfim, em tudo teríamos o “como fazer”.
Na parte do processamento agroindustrial,
forneceríamos também as pequenas agroindústrias processadoras já montadas. Um
mini-frigorífico, uma mini usina de cana, mini processadora de frutas,
laticínio, torrefadora de café, entre outras, todas com manuais de
funcionamento. Deixaríamos uma unidade de cogeração de energia, e um ano de
suprimento gratuito de energia e diesel para as máquinas, até que a biomassa e
o biodiesel fossem gerados. Galpões completos de armazenagem e estrutura para
um supermercado estariam prontas para os habitantes da fazenda trabalharem.
A comunidade discutiria e escolheria quais
insumos utilizaria. Se, por exemplo, as assembleias deliberarem que são contra
usar os defensivos na produção da sua comida, se organizariam para a catação
manual de lagartas e outras pragas e a captura de insetos, ratos com arapucas e
outras engenhocas. Tudo é válido. Caso a assembleia opte pelo vegetarianismo, o
rebanho poderia ser transformado em instrumento de adoração, como em outros
países que conhecemos.
Uma vez pronta toda esta infraestrutura, algo
que nem de perto se oferece ao produtor rural, chega o momento de levar esta
ampla comunidade selecionada à FEB (Fazenda Experimental Bolivariana). Na
chegada à fazenda, estas pessoas deixariam na entrada seus pertences pessoais, desde
celulares, notebooks, bolsas, automóveis, afinal se são contra o progresso
tecnológico, a empresa, o lucro, a multinacional, contra o “império”, tem que
ser coerentes no comportamento individual, o que frequentemente não observo
nestes grupos. Não podemos ser intelectualmente contra, mas transgressores na
prática do comportamento individual.
A comunidade teria que se organizar. Imagino
que sairiam à frente os “movimentos sociais”, tentando botar ordem na casa, pois
têm treinamento prévio, afinal, a comida vai acabar e precisam trabalhar para
ter. Poderiam criar um sistema de governo, educacional e universitário com
liberdade de conteúdo, bancos, partidos políticos, congressos, conselhões e
verificar como pagarão estes políticos do grupo e seus assessores com o recurso
de sua própria produção, pois assim são pagos no mundo real.
Deixaríamos uma gráfica para impressão de uma
moeda e de uma constituição, se quiserem. Podem também criar Bolsas assistencialistas
diversas, mas só depois que tiverem gerado renda para pagá-las. Afinal, para
distribuir renda, alguém precisa gerar renda.
Diferentemente da situação real do produtor
brasileiro, garantiríamos à FEB segurança total, sem os frequentes assaltos que
acontecem nas fazendas ou invasões de outros “movimentos sociais” e daríamos
uma carência de três anos, pelo menos, para aplicar a atual legislação
trabalhista, ambiental e tributária. Entregaríamos com reserva legal já
averbada e CAR preenchido. Não precisariam pagar impostos e nos ajudar a sustentar
Brasília por pelo menos 3 anos, algo que os brasileiros comuns dedicam mais de
quatro meses de trabalho por ano.
Como não há petróleo na FEB, seus habitantes
estariam livres do loteamento de cargos, da corrupção e dos escândalos advindos
de uma suposta petroleira que seria criada. Também é vetada a entrada de dólares,
pois isto é algo que vêm do império, e desta forma não teríamos doleiros para
trazer mais escândalos a FEB.
Forneceríamos o SUS e o “Mais Médicos”, e se a
comunidade aceitar, casos mais graves envolvendo líderes e políticos que não
quiserem o SUS, cederíamos o Sírio Libanês, via crédito, mas para ser pago pela
comunidade quando esta dispuser de renda.
Não sou contra deixarmos também estoques de
cachaça e uma destilaria montada, afinal, não dá para exigir abstinência.
Forneceremos também estoques e sementes de Cannabis
Sativa e fósforos. Pode inclusive ser que esta cadeia produtiva seja a
primeira a se organizar na comunidade pois é provavelmente onde os estoques planejados
para um ano mais cedo darão os sinais visíveis de escassez.
À medida que os excedentes de produção advindos
do trabalho e do esforço dos moradores da FEB fossem sendo gerados, estes poderiam ser vendidos
para fora da FEB e daríamos outra facilidade: os mercados (compras) seriam por
nós garantidos, com preços mínimos estipulados. Também ofereceríamos algo que
os produtores hoje não têm: seguro sofisticado que proteja a produção e a renda
da comunidade de intempéries climáticas.
O transporte dos produtos desde a FEB até os
centros de consumo nós ofereceríamos, para evitar que passem pelo descalabro
logístico que nossos produtores enfrentam, acabando com sua renda. Seguro
contra os frequentes roubos de cargas, também ofereceríamos, afinal precisamos
dar um impulso à FEB.
Garantiríamos o máximo esforço para utilizarmos
o nosso porto em Cuba.
Com a renda criada pela venda da sua produção, fruto
do seu trabalho, a comunidade poderia, aos poucos, comprar os bens de consumo
essenciais para reposição (sabonete, shampoo e outros) e também os produtos supérfluos
hoje existentes fora da FEB. Poderiam importar desde carros Hyundai, BMW, motos
Harley Davidson, máquinas de Nespresso, toda a parafernália da Apple, equipamentos
de som Bang & Olufsen, comprar bolsas Louis Vuitton, cosméticos MAC, TV HBO
por assinatura, entre outros sonhos, e inclusive materiais de construção para futuras
casas individuais, que poderiam sim ser construídas em terrenos dentro da
fazenda, caso vença na assembleia, a individualização das moradias.
Podemos sofisticar bem mais o nosso conto, mas parando
por aqui para poupar o tempo dos trabalhadores, a missão da FEB seria
esta: “ensinar a parar de reclamar e trabalhar
para prosperar”.
Além dos habitantes da FEB descobrirem e
reconhecerem que as coisas não caem do céu, e que tem gente suando forte para
tentar produzir num país que a cada dia cria mais dificuldades, o estágio traria
outros aprendizados à comunidade da FEB, evidências que carregariam ao resto
das suas vidas:
-
Não existe
distribuição de renda que se sustente, sem geração de renda;
-
Não existe
consumo sem produção;
-
É difícil
e custa ser contra o progresso tecnológico. Se você não gosta da tecnologia e
das empresas que geram tecnologia, existem alternativas menos produtivas à disposição
e podem ser usadas, mas dará mais trabalho e pode não ser suficiente;
-
Algumas
coisas precisam de escala para serem produzidas eficientemente, então o
romantismo da família, do simples, não funciona.
-
Para que
um sistema destes (FEB) funcione coletivamente, é preciso que todos tenham
ampla propensão ao trabalho, o que não se observa em todos os seres humanos.
Este é o principal motivo do fracasso de modelos coletivos que não incentivam o
trabalho, a produtividade individual e a meritocracia.
-
Quem não trabalha,
ou tem labor-fobia, está sendo sustentado por quem trabalha e se aproveita do
mais produtivo. Vai ficar evidente para todos na comunidade literalmente quem
“não vale o feijão que come”;
-
Produtos
são plantados, cultivados e colhidos, com muito esforço por quem fez, com muito
risco. Precisamos respeitar e valorizar quem produz e agradecer, pois parte do
que podemos consumir no país vem da renda da exportação gerada por estes
empreendedores. Simplificando, nosso I-Phone 6 foi pago com... exportações de
açúcar.
Vamos implementar a FEB e aguardar cinco anos
para ver se funciona. Tenho cá um pouquinho de dúvidas se os perfis que iriam
para lá têm em seu DNA a filosofia de “agarrar no batente”, necessária quando
não se tem outros fazendo por você, ou com a presença de um estado
assistencialista, contaminado pela política da “vitimização e da coitadização”
dos seus habitantes. Mas não podemos cometer o equívoco de um pré-julgamento.
Vamos aguardar e observar este laboratório a céu aberto. Acho que teremos
olheiros do mundo todo observando a FEB.
Se após cinco anos a FEB der certo, minha
hipótese é que a comunidade se organizou em um modelo capitalista. O sistema
capitalista, com todos os seus problemas, é o melhor que a sociedade mundial dispõe,
basta olhar os 20 países melhor ranqueados nos indicadores de desenvolvimento
humano (IDH). É no que acredito, um sistema que promova forte inclusão social,
pelo trabalho, esforço e geração criativa de oportunidades. Se FEB der certo e
for sustentável no médio prazo num modelo comunista, eu tenho que calar a minha
boca e jogar fora boa parte das coisas que escrevi. Voltar a estudar, porém,
outras obras.
Estou terminando o conto e esqueci de abordar o
assunto fugas ou abandonos. Fugas da FEB serão aceitas após uma entrevista onde
fique provado que a pessoa aprendeu valores ligados ao trabalho, à geração da
sua própria renda, à noção de responsabilidade e de colaboração ativa com a
comunidade e o fim do pensamento de que... é vítima, um coitado, um excluído.
A ultima pergunta, que abriria a porteira da
fazenda e traria o “febiano” de volta ao mundo externo, avaliaria se o entulho
intelectual, ou a alucinação bolivariana ficou para trás, enterrado na fazenda,
da mesma forma como o grande sonho da comunidade de Leonardo Di Caprio em “A
Praia”, fracassou e ficou... na praia tailandesa.
Marcos Fava Neves
Marcos Fava Neves (Sifu F91) é professor titular de
planejamento estratégico e cadeias agro-alimentares da FEA-RP/USP. Autor de 45
livros publicados em oito países. Foi professor visitante da Purdue University
(Indiana, EUA) em 2013.