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O Gerente (Pinduca F68)

06/06/2016 - Por marcio joão scaléa
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O ano de 1985 havia sido de muito trabalho para o Pesquisador, que decidira ainda fazer um curso por tutoria a distancia, pago pela companhia. O que trazia, implícita, a obrigatoriedade de aprovação. Foram muitas as noites em que as apostilas eram estudadas até a madrugada, para evitar o acúmulo de matéria

 Em meados de dezembro, as atividades de campo se acumulavam : havia ensaios em Ponta Porã, em Rondonópolis, em Diamantino, em Alto Garças e em Barra do Bugres, com avaliações cruciais de eficiência e de fitotoxicidade aos quinze e trinta dias após as aplicações. E para complicar, havia ainda as provas finais do curso por tutoria, em São Paulo. A forma que o Pesquisador achou para compatibilizar todas as atividades e ainda por cima as festas de fim de ano, foi ir de carro para São Paulo, com a família, para prestar as provas. Depois destas, retorno de avião a Rondonópolis para a avaliação de vários ensaios, durante o fim de semana, a tempo de voltar para São Paulo antes do Natal. Só que não havia passagem de avião para a volta, nem de Rondonópolis, nem de Cuiabá. A solução seria descer de ônibus até Campo Grande e de lá tentar um vôo para São Paulo, com maiores chances de sucesso.

Meio da tarde de domingo, experimentos avaliados, lá foi o Pesquisador para a estação rodoviária, a esperar uma vaga num ônibus de passagem pela cidade, já que as linhas que partiam de Rondonópolis estavam todas lotadas. Ali pelas três e pouco apareceu um ônibus vindo de Brasnorte (uns seiscentos quilômetros acima de Cuiabá) e que ia para Cascavel, no Paraná. Surpreendentemente havia muitos lugares vagos e o Pesquisador conseguiu se aboletar sozinho no penúltimo banco, lá atrás, perto do toalete. O que era ótimo, tirando o fedor do WC em uso há quase vinte horas. Os companheiros de viagem eram, em sua maioria, famílias que vinham para o Paraná passar as festas. Todas elas com suas crianças, muitas crianças, de todas as idades, estressadas pelo confinamento forçado no ônibus e intestinos desarranjados pelas comidas de beira de estrada, numa época em que as fraldas descartáveis eram raras, se não inexistentes. Por baixo dos bancos escorriam, conforme o balanço da viagem, desde caroços de manga meio chupados até chupetas desgarradas de seus donos.

Na primeira parada na estrada, o ônibus lotou : era Sonora, na divisa de Mato Grosso com Mato Grosso do Sul, onde a usina de açúcar acabara de liberar centenas de trabalhadores para as férias de fim de ano. Bancos cheios, uns quinze passageiros ainda se decidiram a viajar no corredor, de pé, apesar do desconforto. E entre eles, como sempre, havia um bêbado, que mal conseguindo parar de pé, foi indo para o fundo do ônibus, um pouco por vontade própria, mas muito pelos empurrões dos demais passageiros. A sorte é que ele tinha um temperamento jovial, desculpando-se pelas esbarradas e rindo de sua própria situação, tentando puxar conversa com um e com outro, sem receber resposta, até chegar à porta do toalete, onde se encostou, murmurando :


- Vou ficar por aqui mesmo. Esse povo tá muito enjoado...

E ficou por uns minutos, talvez meia hora, tentando se equilibrar conforme o balanço do ônibus, resmungando, meio feliz por estar finalmente viajando, mas meio descontente pela falta de conforto. Até que resolveu abrir a porta do banheiro, para, quem sabe, ver se conseguia um lugar para se sentar. Mas o fedor foi tão forte que ele fechou a porta de novo, com violência, desfechando sua decisão :


- Meu Deus do Céu, que catinga desgraçada! Mas agora acabou : eu vou ser o gerente desta privada e não vou deixar mais ninguém usar ela, a não ser com ordem do motorista, que é meu chefe e manda mais. Sou o Gerente, Gerente da Privada, quem quiser usar ela tem que falar comigo!


E a gerenciou até chegar a Coxim, onde desceu dizendo que estava indo direto para casa, se não tivesse mais nem um bar aberto pelo caminho!

Marcio João Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro

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