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O Mal que Nós causamos (Alma; F97)

01/07/2022 - Por fernando de mesquita sampaio
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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Disclaimer: este texto contém palavras de baixo calão e traz verdades.

 

Nos muros de Pompéia, a cidade romana destruída pela lava do Vesúvio, encontraram a seguinte pichação: “Gaius Valerius Venustus, soldado da primeira corte pretoriana, da centúria de Rufus, comedor de mulheres.”

Dois mil anos depois, nossa ideia de masculinidade, forjada na competição, continua basicamente a mesma: quem come mais mulheres, quem tem mais dinheiro e quem tem posição mais importante.  Status masculino é basicamente formado por esse tripé.

Na minha república tínhamos uma caderneta de telefones com nomes de todas as mulheres possíveis com as quais tivéssemos algum contato, para convidá-las para as festas. A lista era conhecida como rol de vagabundas. A expectativa era que quanto mais mulheres na festa, mais fácil seria comer alguma.  Alguns dos telefones vinham de mulheres aleatórias abordadas na rua. Houve quem usasse um laço para abordar as mulheres.

Nas festas, inventamos uma técnica apelidada de “canga-leitão”, espécie de chave de braço para colocar a mulher em uma posição aonde fosse mais difícil para ela fugir de um beijo forçado.

Olhar por cima do decote, por baixo das saias. O banheiro tinha um furo na claraboia por onde espiávamos as moças que ali entravam nas festas.

Havia um ranking dos maiores comedores da república. Eu uma vez me despedi de uma namorada no quarto enquanto a outra namorada esperava na sala. Pulei a janela e dei a volta no quarteirão como se estivesse chegando naquela hora. E eu era da rabeira do ranking.

O que era visto por nós como diversão, para mulheres sempre foi um conjunto de macro e micro violências que elas vivem todos os dias em um país como o Brasil.

A professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília Valeska Zanello explica muito bem como funcionam os dispositivos da masculinidade na nossa sociedade.

O primeiro entendimento básico entre os homens é que ser homem é rejeitar o feminino. Qualquer noção de vulnerabilidade deve ser descartada. E a mulher, esse ser inferior e vulnerável, só serve para f*der.

Minha geração teve a educação sexual baseada em pornografia. Que é propaganda enganosa porque dá a entender que mulheres estão sempre disponíveis, e homens sempre preparados. A maior mentira que nos contamos é que não somos misóginos, afinal a gente gosta de mulher. Mentira, não gostamos de mulher, gostamos de b*cetas em profusão. A objetificação total da mulher, é a pior forma de misoginia, já que o valor dela é basicamente reduzido ao seu fenótipo. E há um ranking de classificação de mulheres que vai da b*ceta rosa (da loira) à preta (Quem lembra do tour de blondes do Mamãe Falei ou dos amigos na copa da Rússia?), da magra à gorda, e das mais jovens (bem cotadas) às mais velhas (diz a piada que quem pega acima de 60 é radar). Mas em último caso um guerreiro jamais nega fogo e pega a gorda, a velha ou qualquer uma. Esse ranking é tão verdadeiro (e internacional) que no Red Light District de Amsterdam o preço das escravas brancas russas pode ser 20 vezes maior do que das gordas antilhanas expostas na vitrine.

É tristemente sintomático ver como uma parcela de mulheres ainda se submete à torturante linha de padronização de bonecas feitas de laser/silicone/preenchimento labial/cabelo platinado/botox, abandonando a própria identidade na ilusão de se manter no topo do ranking por mais tempo.

O segundo entendimento é que mulheres vão usar o poder da b*ceta contra você. Um amigo dizia que um pêlo de b*ceta tem mais força do que cem cavalos de batalha. Uma mulher está em alguma posição importante? Deu para alguém. Quer se vingar? Vai dar para alguém. Quer te chantagear? Vai usar a b*ceta.

Mas o principal de tudo isso é que entre a irmandade masculina vige uma omertá onde um é cumplice e conivente com a misoginia do outro. Rimos juntos das piadas toscas sobre b*ceta rosa, sobre gordas, não entregamos os amigos que assediam colegas, silenciamos frente à violência do outro. Quem está em algum grupo de whatsapp exclusivamente masculino sabe disso. Há um preço em romper com este silêncio. Que é ser rejeitado pelos pares. Provavelmente, meus amigos homens ao ler este texto irão dizer, olha lá o Alma, deve estar dando o c*.

Mas é importante que os homens principalmente, e não as mulheres, passem a se dar conta do absurdo que é essa conivência com a violência diária.

E por que fui eu justo agora me preocupar com este assunto?

Primeiro por razões pessoais. Antes de tudo já não tenho idade para precisar da aprovação de macho. É fácil dizer “fui criado assim” para a vida inteira não precisar mudar comportamentos abusivos. Vi alguns casamentos, inclusive de amigos próximos acabarem simplesmente por uma gigantesca assimetria na forma como homens e mulheres assumiam a responsabilidade por cuidar da relação. Para o marido alecrim dourado, trabalhar e por dinheiro em casa é suficiente para que ele não precise nem mesmo pegar a cueca suja do chão para por num cesto. E reclama que a mulher não quer dar, sem entender que as preliminares do sexo começam na divisão de tarefas do lar. A coisa é tão feia que um sujeito que faz o mínimo necessário parece um semideus. É a Rodrigo Hilbertização do macho. Quando lava uma louça ou dá uma resposta educada é um tal de nooooossa, que homem...

Eu pude mudar, e posso educar meus filhos de maneira diferente. E mesmo alguns dos mais ogros dos meus amigos, tiveram filhas (ah! o karma), e entendem que não querem que as filhas encontrem homens como os que eles mesmo eram.

Mas um motivo importante é que mulheres, de forma muito competente ocupam cada vez mais espaço seja nas ciências agrárias ou diretamente envolvidas na produção ou na cadeia produtiva. Ambientes que eram dominados por homens.

Para quem lida com iniciativas que visam a transformação da realidade rural, entende que mulheres são poderosos agentes de transformação. Pelo simples motivo de estarem mais abertas à escuta. Não tem problema nenhum em aprender o que não sabem. Não tem receio de atuar em redes de apoio. Nem de entender outros pontos de vista. (Para um homem, tudo isso significa uma impensável confissão de fragilidade). Não é por acaso que todo tipo de investimento feito hoje leva em consideração a participação de mulheres.

As mulheres hoje (no campo ou na cidade) estão bem conscientes do que podem fazer. Felizmente a maior parte superou a ideia de que precisam ser aceitas por um homem como ideal de vida. E felizmente cada vez mais empresas do agro notam que elas não servem só para enfeitar stand de trator nas feiras agropecuárias.

Apesar do espaço conquistado o Brasil continua sendo um lugar bem ruim para mulheres. E cabe aos homens, mais do que a elas, mudar isso. É preciso deixar claro aos homens o mal que nós causamos. Causamos um mal a nós mesmos com um ideal de masculinidade que em primeiro lugar embrutece e é cruel com os próprios homens. Causamos mal às mulheres, diminuídas com a objetificação de que são alvo, e com a violência gerada pela misoginia. Mas causamos um mal também porque cada vez que uma mulher é impedida de ocupar um cargo, de desempenhar uma função, de tomar decisões, de falar o que pensa, de fazer o que quer e gosta, atrasamos um pouco mais a transformação que desejamos no campo e na sociedade como um todo.

É preciso acabar com o silêncio conivente dos machos em relação ao ódio (disfarçado ou não) às mulheres. Até porque é fonte da radicalização cada vez maior de jovens rejeitados.

PS: Eu aprendi muito lendo e escutando gente como Valeska Zanello, Vera Iaconelli, Brené Brown, Lua Barros, Maria Barretto, Michele Prado, Esther Perel, Clarissa Pinkola Estés e outras. Recomendo. Pode ler que seu p*au não vai cair por causa disso, machinho frágil.

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