Blog Esalqueanos
Pré Conceito (Pinduca F68)
05/01/2016 - Por marcio joão scaléaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
O trabalho em
aviação agrícola não escolhe hora ou dia. Deu praga, tem que aplicar o
inseticida. Deu condição para a doença, tem que pulverizar o fungicida.
Deficiência nutricional, erva daninha, regulador de crescimento, não podem
esperar. Ou seja, não há sábado, domingo, feriado ou dia santo. O máximo que se
permitia era sexta feira santa e dia de finados, dias sempre guardados, nunca
trabalhados.
Aquele
prometia ser um dia complicado : serviço de última hora, curuquerê devorando
algodão, de se escutar o aparelho bucal das lagartas funcionando e comendo as
folhas. Lagarta das pretas, como os leigos chamavam o curuquerê, que em altas
populações adquiria essa cor. Mesmo sendo sábado, o avião foi para a área. E
para o avião funcionar precisava do técnico, no caso o Agrônomo. Que havia
saído de sua base no clarear do dia, passando por Presidente Prudente lá pelas
seis e meia da manhã.
No trevo de
Pirapozinho sempre tinha gente pedindo carona, a última coisa que o Agrônomo
queria naquela manhã, tamanho o seu mau humor. Mas o coração foi maior ao ver o
rapazinho, parecendo desesperado, pedindo carona. Para quem dependeu de carona
por cinco anos para ir de Piracicaba a São Paulo, a figura do rapaz pesou
muito, e o Agrônomo, sem perceber, se viu parando a kombi. Na mesma hora, todo
o mal estar de ter que repartir um espaço só seu com um estranho, todo o mau
humor acumulado por ser sábado, por estar cansado, por não ter dormido bem, por
estar com o salário atrasado, por ter contas a pagar, tudo de ruim que lhe
acontecia tomou a forma do pobre rapaz, que ainda por cima era negro. E, nos
segundos que o moço demorou para abrir a porta da kombi, o sentimento de
aversão foi tão grande que o Agrônomo quase arrancou com o carro deixando o
coitado para trás. Mas, novamente, o coração pesou mais forte. Mas não
conseguiu evitar o pensamento de que seria difícil aturar uma conversa e um
comportamento desagradáveis, nada a ver com o que ele imaginara para aquele
sábado.
Assim que o
rapaz abriu a porta e se sentou, meio preocupado, meio sorrindo timidamente, recebeu
a queima roupa a pergunta do Agrônomo :
- Pra onde
você vai ? (torcendo para que fosse no primeiro cruzamento da estrada, para
aliviar a carga de ter que aturar muita conversa fiada).
- ???
- Pra onde
você vai?
- ???
O Agrônomo
demorou alguns segundos para perceber que o coitado era surdo-mudo! Não só não
responderia para onde pretendia ir, como não iria atrapalhar a privacidade do
Agrônomo, tão preocupado com seus probleminhas de merda.
Deus é sábio?
Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro