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Qual o valor da terra? (CIC, F92)
12/04/2017 - Por julio cesar de toledo piza netoAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
Qual o valor da terra?
Julio Toledo Piza*
Esta
pergunta sobre o valor da terra talvez seja uma dos temas mais recorrentes do
mundo agro e certamente a que mais escutei nos últimos anos. A resposta mais
simples é que o valor da terra está associado à renda que a mesma gera, a
expectativa de crescimento desta renda e uma taxa de desconto. Como o produtor
tem muito pouca influencia sobre a taxa de desconto, a renda e seu crescimento
são os elementos mais importantes. Dada a estrutura do setor, o crescimento da
produtividade total dos fatores (terra, capital e trabalho) tem um papel
fundamental na definição da renda.
Mesmo
sendo bastante simples, este modelo de renda captura todos os elementos
comumente associados ao valor da terra: preço de alimentos, produtividade,
melhorias logísticas, escassez, ... Entretanto, o que este modelo além do mais permite
é a aproximação de entendimento da atividade agrosilvopastoril dos demais
setores da economia.
Esta
relação entre renda e valor pode ser observada em vários países e em vários
momentos e só deixa de existir em uma condição: quando acontece uma desconexão
significativa entre renda atual e expectativa de renda futura. Os dois exemplos
mais comuns desta situação são: insegurança em relação ao direto de propriedade
e severos desajustes macroeconômicos.
Se
existe risco sobre o direito a propriedade, seja ele atual como na falta de
títulos apropriados (ou impossibilidade de transferência/venda) ou futuro como
decorrente de mudança regulatória, existe risco que a renda caia a zero a
qualquer momento e, portanto se torna muito difícil a definição do valor e
muito baixa a propensão ao investimento/melhorias de produtividade. Neste caso,
a terra tende a ser negociada com descontos expressivos ao seu valor potencial.
No
segundo exemplo, a terra passa a ser vista como um mecanismo de proteção
patrimonial e deixa de existir a relação entre renda e valor. Neste caso a
terra tende a ser avaliada com prêmios expressivos sobre seu valor potencial. Este
fenômeno de descasamento, bastante intuitivo, pôde ser visto na Argentina e
Venezuela recentemente e no Brasil na década de 80 e inicio da década de 90. Quando
a terra é encarada como reserva de valor, não existe incentivo para se aumentar
a produtividade ou mesmo produzir, pois o beneficio é simplesmente a proteção.
Não
importa se gera sub ou sobre valorização, esta condição de desconexão significativa
entre renda atual e expectativa de renda futura é extremamente danosa ao
desenvolvimento, pois o produtor de deixa de fazer investimentos e buscar
ganhos de produtividade. Portanto, a convergência ao modelo de renda/valor é
condição necessária para o desenvolvimento da atividade agrosilvopastoril e não
importa o produto, a região, o tamanho ou a estrutura societária, o impacto
positivo é igual.
Como
já estudado (1), a partir do plano Real e consequente estabilização
macroeconômica acontece uma rápida convergência entre renda e valor e a terra
passa ser entendida como um ativo de produção. Esta nova realidade somada a
alguns outros fatores, como a diminuição da presença do estado na atividade, leva
à um crescimento sem precedentes no agro brasileiro.
O
valor da produção agrícola brasileira passa de US$ 61 bilhões em 1990 para US$
140 bilhões em 2010 e no mesmo período a produção de grãos sai de 58 milhões
para 149 milhões de toneladas. Aumentos de 129% e 156% respectivamente. Já a
área colhida de grãos aumenta somente 20% e o numero de tratores cresceu
somente 8% (**).
O
interessante de se observar que este crescimento expressivo da produção veio
acompanhado de grandes mudanças como a implementação de legislação trabalhista
rural e ambiental altamente protetivas. Mas talvez a mais importante mudança
tenha sido a quebra do paradigma do latifúndio improdutivo, pois os ganhos de
produtividade da terra, do trabalho e do capital neste período foram muito
superiores às observadas no resto da economia brasileira.
Crescimento
anual da produtividade total dos fatores (%) Brasil |
Crescimento
anual da produtividade total dos fatores (%) Agricultura |
|
1971 - 1980 |
2,0 |
N/A |
1981 - 1990 |
-1,2 |
2,22 |
1991 - 2000 |
0,3 |
3,47 |
2001 - 2012 |
0,8 |
4,06 |
Este
expressivo aumento da produtividade e consequente competitividade fez o Brasil
conquistar mercados e, além disto: transformou o país de importador a
exportador de alimentos, multiplicou a geração de divisas, alçou o Brasil a maior
exportador liquido de alimentos do mundo, aumentou a renda da terra e
consequentemente seu valor e aumentou índice de desenvolvimento rural.
Acima
de tudo e o mais impactante, estas conquistas vieram acompanhadas de uma
redução dramática no preço dos alimentos. O preço da cesta básica de alimentos
no Brasil em 2012 era 79% mais baixa em termos reais do que em 1976. De acordo
ao IBGE, a família típica brasileira consumia 34% do orçamento familiar com
comida em 1975 e 16% em 2009.
Não
há como negar que este processo trouxe benefícios para toda sociedade e
certamente o entendimento da terra como ativo de produção não é o único fator,
mas ele é uma pedra fundamental para o desenvolvimento do agro. Sem esta visão
não há atração de capital, não há investimento e não há crescimento da
produtividade.
O
atual momento politico e econômico que vivemos gera incerteza e traz de volta
fantasmas do passado como a alta inflação dos anos 80. Se chegarmos a este
cenário e a terra voltar a ser vista como reserva de valor, o agro brasileiro
sofrerá e corremos o risco de perder a posição que conquistamos com tanto
esforço.
* Julio César de Toledo Piza Neto (CIC - F92) Eng. Agrônomo, Restaurateur e Produtor Rural, foi Vice-Presidente
da Sociedade Rural Brasileira, Ex Morador da República Gato Preto
** Todos os
números apresentados e as respectivas fontes podem ser encontrados no capítulo
1 do livro “The Economics and organization of brazilian agriculture” by Fabio
Chaddad (Sfirra, F92 - In Memorian)