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Repressão (Pinduca F68)
05/11/2015 - Por marcio joão scaléaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

Durante a ditadura militar, o Universitário pode acompanhar
a repressão que era exercida sobre quem discordava do regime. Acompanhava
geralmente de longe, as coisas que aconteciam com personagens que não faziam
parte da sua roda de amigos ou conhecidos: eram políticos, artistas,
sindicalistas, muitos já exilados ou exilando-se, por segurança. Naqueles anos
o dia a dia era ponteado por comentários em voz baixa, já que nada ou quase
nada saia na imprensa :
- Viu quem foi preso e torturado? Dizem que fulano será o
próximo...
Houve momentos em que a repressão esteve mais próxima, como
no episódio do cerco à catedral em Piracicaba, que resultou em grande passeata
sob o olhar atento dos soldados e seus comandantes. Ou no último congresso
livre da UNE, em julho de 1965, no Grêmio Politécnico, ao lado da estação da
Luz
"CONGRESSO DA UNE
VIRA GRANDE BACANAL"
A foto que deu origem à manchete era de uma das salas do
Grêmio, cheia de colchões pelo chão, onde as delegações de outros estados se
alojavam e tinham curtas horas de sono entre as sessões e os debates. De
bacanal não havia nada, talvez só a mente do fotógrafo ou a má fé do jornalista
pudessem explicá-la.
Mas um envolvimento maior com uma vítima da repressão
começou no início de 1968, durante o estágio que o Universitário conseguiu
junto ao INDA (sigla na época do atual INCRA, órgão que atuava no
desenvolvimento e na reforma agrária), no Ceará. Lá ele veio a conhecer, na
praia dos diários em Fortaleza, o presidente do Diretório Acadêmico da
Geologia. Personagem alegre, Bérgson e sua irmã Tânia foram os cicerones do
grupo de estudantes da ESALQ participantes do estágio. Apaixonado pela obra de
Noel Rosa, Bérgson varava noites cantando os sambas do compositor de Vila Isabel.
Terminado o estágio, o convívio se encerrou até o próximo contacto.
Em julho de 1968 o Universitário voltou a Fortaleza, vindo
de Salvador, no fusca do Amigo 9, e uma das providências foi visitar a amiga
Tânia e sua família. Onde foram convidados a visitar Bérgson no hospital :
durante uma passeata de estudantes ele havia sido preso e depois torturado,
tendo ficado surdo de um ouvido com as pancadas. Na porta de seu quarto, no
hospital, um soldado armado de metralhadora fazia a guarda!
Novamente preso no congresso da UNE em Ibiúna, ele passou a
ser alvo de perseguições, sendo obrigado a viver na clandestinidade, indo para
o exterior durante um período. Ao voltar para o Brasil, o fez para juntar-se ao
grupo que foi para as matas do Araguaia, onde acabou sendo morto pela
repressão.
Ele não era perigoso. Era um cara bem intencionado. Queria
ser feliz dentro de uma sociedade em que todos fossem felizes. Não queria matar
nem ameaçar ninguém. A imagem que mais fielmente traduz sua personalidade é a
do cantor dos sambas de Noel, nas luaradas da praia dos Diários, abraçado com
sua namorada, enquanto o Brasil evoluia para uma fase melhor. Não lhe deram
tempo.