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SEU LU 2 (Pinduca F68)

04/02/2016 - Por marcio joão scaléa
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SEU LU - 2

 

O acidente com o Comandante R. acabou por estreitar o contacto do Agrônomo com Seu Lu. O choque da perda de mais um colega de trabalho, de forma tão trágica, foi terrível para o Agrônomo, e a amizade e o suporte de Seu Lu e sua família, principalmente seu genro Sebastião, foram essenciais para que ele conseguisse prosseguir com suas atividades naquela safra.

 

Um novo contacto com Seu Lu só ocorreu mais de dois anos depois desse acidente, quando o Agrônomo voltou a trabalhar no Norte do Paraná, morando em Londrina. Nessa fase, a característica que mais marcou esse contacto foi a inesgotável capacidade de inovação e de adaptação que o Seu Lu demonstrava. Essa capacidade não era nova, pode-se dizer que acompanhava a trajetória de vida do Seu Lu, desde o início.

 

Cafeicultor nato, saiu de Mococa ainda jovem, para plantar café no Norte do Paraná. Com a crise da cafeicultura, coroada pelas geadas da década de sessenta, em poucos anos abandonou o café e formou pasto em toda a sua terra, que não era pouca. Foram milhares de hectares de colonião na terra roxa, base para uma pecuária de elite. Mas a pecuária não o reteve por muito tempo, pois no começo dos anos setenta migrou para a atividade agrícola : em pouco tempo, milhares de hectares se cobriram de milho, algodão, soja, trigo, arroz. Pioneiro, passou a produzir sementes, recebendo em sua propriedade os principais pesquisadores da época, que lá desenvolviam seus programas de melhoramento genético. O Agrônomo, nesta fase, teve a oportunidade de passar com Seu Lu vários domingos, percorrendo os ensaios, fazendo anotações, demarcando e até colhendo pequenas parcelas, resultado de cruzamentos em que se conseguia, às vezes, apenas uma espiga de trigo. Que era "trilhada" e limpa nas mãos, assoprando para tirar as últimas palhinhas, produzindo alguns grãos. Alguns cruzamentos, anos depois, seriam lançados como variedades, por cientistas como Wilson Pan e Francisco Terazawa.

 

Mas a grande inovação estava por vir, quando Seu Lu em 1974 surpreendeu a todos, comprando dezenas de milhares de hectares na região de Brasília. Proprietário de terras consideradas como das mais férteis do mundo, na região de Leópolis, no filé do Norte do Paraná, a surpresa foi grande quando subitamente correu a notícia : Seu Lu está indo para o Cerrado.

 

O Agrônomo não acreditou no que ouviu e já que estaria viajando de férias para Minas Gerais, aproveitou para subir para a região de Unaí, Cristalina e do Distrito Federal para tirar a dúvida. Chegou até a fazenda comprada por Seu Lu, onde os CBTs abriam o Cerrado : uma terra feia, amarelada, latossol vermelho-amarelo, aparentemente mal drenada, ácida e recoberta por uma vegetação retorcida e de má aparência. Custou a acreditar no que via, e na volta para o Paraná fez questão de ir conversar com Seu Lu, que com sua cabeça branquinha e do alto de sua sabedoria, lhe disse :

 

- Meu filho, me desculpe. Eu não sou agrônomo, não entendo de nada. Mas acho que a principal função de uma terra é servir de suporte para as plantas. A fertilidade se constrói : calcário, fósforo, potássio, tudo o que é necessário para a lavoura crescer e produzir, a gente coloca. O que importa é a textura, a topografia e a chuva, que nem precisa ser muita, basta cair na hora certa. O resto se faz. E essa terra feia, dos chapadões do Cerrado, tem tudo o que se precisa, então ela vale tanto quanto esta terra roxa que estamos acostumados a explorar por aqui.

 

Estava nascendo um novo Brasil, que a exploração agrícola do Cerrado descortinava. E um ditado : "Quanto melhor a terra, pior o agricultor. Quanto pior a terra, melhor o agricultor".


Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro

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