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Susto 1 (Pinduca F68)
19/03/2016 - Por marcio joão scaléaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.
SUSTO-1
A garotada da
Alameda Olga tinha um time, chamado Renner Futebol de Salão, de uniforme verde e vermelho, doado por um
candidato a vereador. Clube novo, uniforme novo, treinavam aos domingos à tarde
na quadra do SENAI da Rua Tagipuru, autorização obtida com o auxílio de outro
candidato a vereador. Tinha até treinador, o Ponce, vizinho do Adolescente. Por
ser muito pequeno, o menor da turma, o Adolescente praticamente só treinava e
nunca jogava.
O Ponce
arrumou um jogo para uma quarta feira à noite, numa quadra no fim da Rua do
Bosque, coração da Barra Funda, perto de onde ficam hoje a TV Record e o Play
Center. Era um brejo podre, cercado por
montes de lixo e entulho, e lá no meio, uma incrível quadra de tamanho oficial,
até iluminada, provavelmente obra de algum candidato a vereador. Era um lugar
perigoso, apesar dos rompantes do treinador :
- Fiquem
tranqüilos, o pessoal de lá me conhece, eu jogo lá todo sábado, não tem perigo.
Era tão
perigoso, que grande parte dos defensores do Renner Futebol de Salão já nem
compareceu ao jogo. Mas os adversários, moradores da redondeza, estavam lá em
peso, até torcida levaram. Eram tão poucos os atletas do Renner que o treinador
chamou o Adolescente e disse que era a chance dele, que se preparasse, pois iria
jogar no gol do segundo time. Naquela
época os clubes tinham dois times : o primeiro era o melhor, para as estrelas,
e fazia o segundo jogo. O segundo time era formado por aqueles não tão craques,
mas dedicados e/ou promissores, sempre aguardando uma chance de subir para o
primeiro time, nem que fosse para a reserva. O segundo time fazia o primeiro
jogo. Também jogavam no segundo time (melhor dizendo, mais ficavam na reserva
do que jogavam, só entravam no finzinho dos jogos) alguns abnegados, que atuavam
como diretores do clube, secretariavam as reuniões, cobravam as mensalidades,
cuidavam dos uniformes, faziam tudo, enfim, para permitir que as estrelas do
primeiro time exibissem seus dotes futebolísticos.
A posição de
goleiro, por sua relativa imobilidade, não é das mais seguras, principalmente
numa quadra aberta, mas o Adolescente se deixou levar pela ilusão de vestir
aquele uniforme tão almejado, e acabou concordando com o treinador. Trocou de
roupa atrás do tapume, beira do brejo, mas num lampejo de lucidez trouxe suas
roupas e as colocou ao pé da trave.
Quinze para
as nove começou o jogo, com forte contingente da torcida adversária atrás do
gol do Adolescente, meio atordoado pelo cheiro de álcool e de maconha que
pairava no ar. Cinco minutos de jogo e nenhum ataque dos donos da casa, o time
era ruinzinho demais, alegrou-se o Adolescente. Alegrou-se cedo demais, pois no
momento seguinte começou tudo : ataque do Renner que terminou em gol, o que
agitou a torcida atrás do gol. Pior, dada a saída, o Renner retomou a bola e
pimba : dois a zero. A turba enfureceu-se, o Adolescente sentia na nuca o bafo
de um preto sem dentes, que xingava e mandava descer o cacete, e começou a se
preocupar. Dada a nova saída, aí é que virou bagunça : um crioulinho, o menor
de todos eles, (devia ser filho do desdentado) cumpriu a ameaça do pai e deu
uma rasteira no Lineu, jogador do Renner, sem bola. Pior ainda, o Lineuzinho
revidou : levantou-se, chutou o negrinho e correu. O tempo fechou, o
Adolescente só escapou pois a fúria imediata foi contra o Lineu, que já ia
longe, perseguido pelo povão, apesar dos protestos do Ponce. Ex treinador do
Renner Futebol de Salão.
Foi
automático recolher a roupa (para não apanhar da mãe ao chegar em casa) e
correr : Rua do Bosque, Rua da Várzea, linha do trem, Largo da Banana e
finalmente Alameda Olga. No balanço final ninguém saiu com machucado grave, só
coisa leve, mas o dano material foi alto : bola e saco de roupas perdidos. O
uniforme do primeiro time que havia sido confiscado pelo senhor sem dentes,
acabou sendo devolvido graças às negociações do treinador Ponce, reconduzido ao
cargo, em reconhecimento.
Futebol de
várzea!
Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro