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Tipo assim... executivo (Galli F73)

25/10/2016 - Por luiz fernando galli
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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Bancários que sonham ser banqueiros, empregados que sonham ser patrões, subordinados que sonham ser chefes e gerentes que sonham ser diretores pululam por aí na região central dos grandes centros urbanos, nas calçadas das principais ruas e avenidas, nos restaurantes e nos shoppings. Nestes, é bom esclarecer, somente no horário do almoço.

Todos tem como característica principal a mesmice das roupas e do comportamento, que os transformam em seres comuns e por vezes ridículos, embora se julguem diferentes, superiores, suplentes de Deus. Supõem que, se vagar o cargo lá no firmamento, certamente terão competência para assumir tão almejada vaga.

São todos iguais, embora se julguem únicos. É um fenômeno dos nossos tempos. O comportamento generalizado demonstra que perderam a individualidade e agem roboticamente e, o que é pior, sem saber por quê. Transformados em mercadorias de um mercado de supérfluos, lutam para ser vendáveis mas não se preocupam com o próprio valor. Caricatura do homem dos nossos tempos, o executivo nada mais é do que um fenômeno que poderá durar muito, até que verdadeiros valores sejam resgatados.

Os grisalhos usam terno cinza com camisa azul clara e gravata listrada de azul escuro e branco, com um detalhe muito importante: as faixas azuis devem ser um pouco mais largas que as brancas e, estas, de largura variável. A gravara amarela ou rosa também viraram moda. Os demais, terno preto ou azul escuro, por vezes com risco de giz, mas com a mesma camisa azul clara e gravata da moda. O terno risco de giz lhes parece pegar bem. Reapareceu depois de muitos, talvez uns 40 ou 50 anos. O termo risco de giz é assim chamado em decorrência das listinhas paralelas brancas, que percorrem todo o paletó e a calça no sentido vertical e dá ao ilustre "ternoso" um certo ar de importante mafioso. Reapareceu, provavelmente, no Congresso Nacional.

O sapato, marrom ou preto - porque para quem não tem bom gosto ou pensamento próprio tanto faz -, tem o mesmo bico quadrado e fino, com duas costuras paralelas que, partindo da vira da sola do bico, percorrem as laterais de ambos os lados. As meias nem sempre podem ser vistas mas, para quem presta um pouco de atenção, percebe que são de nylon preta e com aquelas bolinas decorrentes do uso intensivo. O cinto também é o mesmo para todos. Preto com uma fivela prateada de mal gosto a toda prova.

Andam quase sempre em duplas ou pequenos grupos de três ou quatro, em linha perpendicular ao meio fio da calçada, apressadamente antes do almoço, mas vagarosamente depois, atrapalhando os pedestres mais apressados. As conversas são sempre as mesmas, alterando os assuntos da repartição ou firma com automóvel, mulher e futebol.

Quando sós, passam o tempo todo ao smartphone para espantar a solidão. Detestam ficar sós. Executivo só não é absolutamente nada. Ao smartphone falam alto e em bom tom para que todos os possam ouvir. Dizem frases de efeito para impressionar os da sua volta. O assunto é determinado pelas circunstâncias do ambiente, embora quase nunca varie. O gerente, a secretária, o Corinthians, a mulher gostosa e o automóvel comprado na promoção destes tempos de crise, em sessenta prestações praticamente sem juros, não pela ordem, são seus temas preferidos, embora a maneira com que os pronunciam acabe denunciando o pouco conhecimento que tem sobre alguns desses  temas.

Nos aviões são os últimos a desligar o smartphone antes da decolagem e os primeiros a ligar, depois do pouso. Pensam demostrar, assim, aos incomodados passageiros e comissários preocupados com a segurança do voo, serem pessoas importantes e indispensáveis para a sobrevivência da humanidade.

Na hora do almoço, só frequentam os restaurantes no horário de muito movimento, com fila de espera. Quer porque começar a almoçar entre meio dia e meio dia e meia não é de bom tom, por ser o horário de almoço de pessoas comuns, engenheiros, secretárias, escriturários, economistas, aposentados, donas de casa e estudantes, quer porque se não tiver fina não tem graça, não dá para ser notado, não deve ser bom, não encontra o colega com cara de satisfação por estar mais a frente na fila, não tem assunto. 

Sentados à mesa, colocam o smartphone do lado direito do prato, cuidadosamente disposto a uns sete ou oito centímetros da faca ou colher, para que todos possam nota-lo. Se for um celular comum, ou um smartphone mais antigo, fica no bolso para não despertar constrangimentos. Executivo sem smartphone não é ninguém.

Comem rápido, ou por falta de assunto ou porque almoçar todos os dias com os mesmos colegas da firma é um tédio, e retornam lentamente à repartição. Sempre chegam com um pouco de atraso, o suficiente para não despertar a atenção do chefe e mostrar aos demais empregados que são executivos e, portanto, não precisam cumprir horário.

Na semana passada deparei-me com um belo tipo na agência dos Correios da Rua Bela Cintra. Lá estive para postar uma carta com documentos que, infelizmente, não poderiam ser enviados por e-mail para um cliente de Belém.

Na minha frente pegando sua senha, estava um tipo assim... executivo. Sem smartphone aos ouvidos, mas com o mesmo terno, a mesma gravata, a mesma camisa, o mesmo sapato e o mesmo cinto. Pegou a sua senha e, ao contrário de todos, ficou em pé ao lado do balcão, esperando pela chamada da sua senha. Executivo numa situação dessas sempre permanece em pé. Quer porque não pega bem sentar-se entre contínuos, idosos, secretarias, donas de casa, motoqueiros e aposentados, quer porque se sentar não será notado.

Quando sua vez chegou, revelou-se. Ficou um bom tempo no guichê conversando com o atendente, com dúvidas sobre a postagem comum, o Sedex, o Sedex 10 e a carta registrada. Indeciso entre explicações e dúvidas, o incomodado executivo deve ter pensado que seria muito bom se o seu chefe ao seu lado estivesse para poder decidir sobre tão importante tarefa.

Os executivos típicos também se sentem muito importantes quando fazem alguém esperar. Não por acaso, nenhum executivo cumpre horário. Quanto maior o atraso, maior sua importância.

A mesmice se revela, ainda, no uso do automóvel. Até o começo do ano, todos o tinham na cor preta. Agora a moda passou a ser automóvel branco. Os que ainda não trocaram o preto pelo branco vivem inconformados e incomodados por terem que ir, todos os dias, à repartição dirigindo o velho veículo preto fora de moda.

A maioria tem Gol, Corolla seminovo e Palio, mas sonha com um Sport Utility Vehicle, que denominam de SUV, logicamente na cor branca. Pensam em mudar o filho para uma escola mais barata, cortar o plano de saúde da sogra e vender o apartamento da Praia Grande, só para comprar um SUV Branco (ou uma SUV branca, porque o bonito mesmo é usar o feminino para denominar carrões: uma Mercedes, uma SUV, uma BMW - porque será que ninguém fala uma Gol, uma Ford K, uma Renault Clio?).

As executivas são quase iguais. As diferenças são o vestido - embora algumas usem o ridículo terninho - e o cigarro. Geralmente fumam muito, bem mais que os executivos. O resto é igual, inclusive o mal gosto na roupa escura da moda. O máximo é vestir um blazer preto sobre uma blusa em tom pastel, substituindo a estampa de onça pintada já fora de moda, e um sapato de salto alto com um detalhe em couro de calango no bico ou no calcanhar. O telefone também é o mesmo, um smartphone - geralmente um Iphone cinco herdado do marido que adquiriu um modelo seis ou sete - assim como o sonho do SUV branco. Na conversa, trocam o futebol pelo cabelereiro, o automóvel pela nova marca de creme e a mulher pelo ator da novela. 

Nesta semana, tive a oportunidade de me reunir com a executiva de uma grande empresa multinacional para discutir um trabalho de nosso interesse. Atendeu-me uma hora e vinte minutos depois do horário marcado. Chegou apressada, portando um laptop e um punhado de relatórios na mão esquerda, quase despencando, e falando ao seu smartphone, que nem sei se ligado estava, sobre assuntos que, embora não desconfiasse, só deviam ser importantes para ela.

Cumprimentou-me secamente e me atendeu com desdém, falando alto e pouco escutando, demonstrando uma personalidade exacerbada. Tentou, sem êxito, reduzir-me à mosca solitária de um estábulo qualquer.

Controlei os pensamentos indevidos e oportunistas que sempre surgem nessas oportunidades e, por algum momento, pensei somente no meu trabalho. No trabalho que além de aumentar o conforto da minha família me faz muito feliz. Aquela circunstância seria momentânea e decorrente tão somente do comportamento de uma executiva típica. Por que me aborrecer se para ela o que menos importava naquele momento era o meu trabalho e o que eu teria para lhe dizer? O que mudaria no contexto do seu discurso e de suas ridículas advertências, típicos de quem pensa ter o domínio da situação, qualquer manifestação da minha parte? Rejeitei os seus pensamentos e comecei a pensar e articular os meus próprios.  

Não, não pensei no trabalho para o qual aquela executiva estaria me contratando. Serviços de consultoria felizmente ainda não me faltam e graças a esse privilégio, não permito, há muito tempo, que o trabalho me aborreça.

Pensei ao longo daquela enfadonha e improdutiva reunião no desconhecimento daquela moça sobre a alegria, a felicidade, o afeto e a gratidão, no pouco tempo que deve se dedicar à sua família, aos seus filhos, ao seu marido e no inferno que deve ser, portanto, a sua vida profissional e, sobretudo, o seu trabalho.

Saí tranquilo daquela reunião tranquilo por ter recusado aquele trabalho que, certamente, não me traria nenhuma alegria. Felizmente nunca mais a vi. 

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