Blog Esalqueanos
Trote 2 (Pinduca F68)
28/11/2015 - Por marcio joão scaléaAtenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

TROTE 2
O Universitário havia passado para o segundo ano, e agora
era a sua vez de dar trote nos calouros. Havia muita expectativa, que em menos
de uma semana se esgotou : dar trote era muito chato! Se o bicho era bobão,
dava pena ficar dando trote. Se era ignorante e grosso, dava mais pena ainda
ver um jovem que iria viver em conflito com o mundo pelo resto de sua vida. E
assim se passaram umas duas a três semanas, quando algo chamou a atenção de
todos : havia um bicho que nunca havia sido pego por ninguém. Terminada a aula,
portas da sala abertas, havia um veterano, sempre o mesmo, que gritava antes
dos demais, apontando para o calouro :
- Bicho, você vem comigo.
E o bicho seguia alegremente o veterano, sentava no carro e
iam os dois embora. A marcação foi de dois dias e a estratégia se confirmou.
Checados os nomes, a revelação : veterano e calouro eram irmãos.
Tramou-se a ação, que foi bloquear, com outros carros, o
carro do veterano. Ele se desesperou, mas não pode fazer nada, pois quando
conseguiu sair o Universitário e seus colegas já tinham tomado conta do bicho,
que foi levado para a república, sob ameaças terríveis, apavorado. Era hora do
almoço, e a promessa era de dar trote até de madrugada. Chegando à republica, a
primeira ordem :
- Bicho, tire a roupa, fique só de cuecas.
O coitado tremia, com cinco veteranos gritando as ordens
mais absurdas e dispares junto de seus ouvidos :
- Bicho, de joelhos.
- Bicho, desfile rebolando.
- Bicho, passe baton.
O coitado tremia e gaguejava, havia chegado a hora do susto
maior. Corria o boato de que algumas republicas dispunham de aranhas
caranguejeiras enormes, que eram postas a passear sobre o corpo dos calouros,
cujos olhos eram vendados. A república do Universitário não tinha aranha,
apenas uma cigarra seca, resto do insetario, que era um trabalho de
Entomologia. Era suficiente. Foi anunciado :
- Bicho, encoste na parede, nós vamos vendar seus olhos pois
chegou a hora da aranha passear.
O coitado tremia e torcia as mãos. Colocada a venda, a
tremura se acentuou. No momento em que a cigarra ressecada, amarrada num
barbante resvalou nas suas costas, o bicho gemeu. À medida que os veteranos
faziam o inseto descer pelas costas, o gemido virou um uivo. Quando a cigarra
alcançou as nádegas, o calouro desabou sobre o chão, chorando e
Tirada a venda dos olhos, mostrada a cigarra que fingia ser
aranha, nudez coberta, copo de água com açúcar, em poucos minutos o bicho se
acalmou, mas estava muito chocado ainda. Levado para a mesa e convidado a
almoçar, não parava de tremer e não erguia a cabeça, não se sabia se de medo ou
de vergonha.
Às vezes ainda hoje o antigo bicho é encontrado, em eventos,
principalmente na ESALQ, e na hora em que os olhares se cruzam a tácita certeza
ainda aflora :
- Eu nunca te perdoei (pensa o ex-bicho).
- Fugir nada resolve (pensa o ex-Universitário).
Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro